Seria de se admirar se eu admirasse flores. Sou imune a elas: sofro de rabugice crônica. Veja as damas-da-noite, essas delinquentes. Receio soar hiperbólica, mas é delinquência demais exalar aquele odor à noite, uma vez que ele traz de volta, aos atropelos, memórias que não convêm ser relembradas. Porque doem. E eu lá vou admirar o que me machuca? Desordeiras, essas damas-da-noite. Elas me bagunçam toda.
E é de viver de bagunça que a gente se habitua à rabugice. Um pouco de mim também cede à delinquência quando sinto o cheiro delas - eu saio quebrando algumas janelas, pichando muros e destruindo o dia dos outros. Mau humor contamina e eu abuso dessa propriedade contagiosa.
Deus também estava de mau humor quando plantou as damas-da-noite na Terra.
E é de viver de mau humor que a gente se habitua a destruir as coisas. As damas-da-noite também vivem de mau humor. Com aquele aroma violento, elas me quebram em duas, que fui íntegra outrora. Picham imagens do passado na minha mente: a delirante parte de mim que anseia ser amnésica. Não destroem só um dia - aniquilam calendários inteiros.
Para damas, convenhamos, faltam a elas bons modos.
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Todas as Sereias são Perversas
PoésieColetânea de textos reflexivos. Obra revoltada, insolente e perturbada. Apesar dos pesares, nem tudo aqui é só acidez - também há espaço para resiliência. Escrita por alter egos, esconde em suas profundezas ideias nas quais o leitor corre o risco d...