Todas as Sereias são Perversas

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Eu me apaixonei por uma sereia. Não é apenas mais uma musa como a dos outros poetas, aqueles cafonas, que só sabem escrever intermináveis linhas prosaicas. Sereias não têm nada de prosaico. Elas são mosaico. Mas alguns amigos meus das letras ainda não sabem o que é paixão, pois não se apaixonaram pela sereia que eu me apaixonei. As sereias deles são vítimas de comparações enfadonhas: cabelos dourados como o sol, pele macia como um pêssego, olhos azuis como o céu, voz suave como um carinho no ouvido, corpo esbelto como o de uma deusa... Eu continuaria esse exercício automutilatório de dar exemplos de pobreza poética, mas vou poupar o leitor.

Minha sereia tem cabelos brancos. Nada convencionais: não são vermelhos como uma rosa. Tampouco cor de sangue, como gostam os hemofílicos disfarçados de tristes. Seus cabelos são cor de névoa. Com capricho, as algas fazem as vezes de mechas. A pele é manchada, maculada da mesma forma que a nossa camada de ozônio. Os olhos são violeta, com um breu de pupila sinistra, sem vestígio de brilho – são um poço abandonado, que nem ao menos tem um balde de água preso à roldana. A voz... Ela não tem voz. É muda. Fala com os olhos de poço. É necessário cautela para não cair lá dentro. O corpo é mirrado. Parece uma árvore judiada da caatinga. Mas está em pé e sobrevive ao clima adverso. Ela é antipoesia em toda a sua essência.

Essencialmente impiedosa. Ela tem fome, uma fome de malfazer com requintes de crueldade. E eu me apaixono porque ela é toda do avesso, toda absurda, tudo aquilo que eu também quero ser. Há uma beleza incógnita, impossível de decifrar, mas legítima. É feitiço, decerto. Ela me enfeitiçou.

Ouvi rumores de que ela coleciona os corpos dos pescadores que seduz. Há também rumores de que existem três tipos de vilões: os demônios no inferno; os homens na terra; e as sereias nos mares. Com ressalvas. Um demônio, antes de mais nada, é um anjo (que se rebelou contra Deus). Quanto aos homens, um ou outro a gente salva. Já as sereias... é o meu fim, porque todas as sereias são perversas.

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