Xicheng - amar

Constatações

Maldito desligado! - pensa Jiang Cheng enquanto caminha para os ringues de treinamento, trincando os dentes. Ele ainda estava extremamente irritado com a conversa que há pouco tivera com Lan Xichen.
Será que havia interpretado errado as recentes ações do maior e, na verdade, o Lan não queria nada com ele? Será que desprezava sua companhia?
Em meio a sua raiva, o menor nem percebe que já entrou no ringue, muito menos que espantou todos os discípulos que lá estavam treinando.
Ele havia se envergonhado mais uma vez. Envergonhado sua seita e sua família.
Por que mesmo ele achou que seria uma boa ideia convidar o Líder de Seita Lan para ver o Píer Lótus com ele?
Estúpido. Estúpido. Estúpido. Estúpido.
Claramente, uma linha tinha sido desenhada. Qualquer que seja a relação que ambos tenham começado a desenvolver nos últimos dias, não era próxima o suficiente para que saíssem juntos.
Zidian faísca nas mão do líder Jiang e, fumegando, ele soca a parede.
Obviamente, Jiang Cheng não esperava que se tornassem melhores amigos repentinamente ou que fossem começar a fazer tranças nos cabelos um do outro. Afinal, ele ainda era Sandu Shengshou e sua hesitação com relação as pessoas no geral - essa que beirava a desconfiança e, talvez, até mesmo a paranoia - não o permitia realmente aproximar-se de ninguém. Mesmo que ele tivesse o hábito de ser menos cauteloso com o Lan.
Jiang Cheng bufa.
Está aí outro item para sua lista de afazeres com o qual ele deve se ocupar.
Item 47: parar de ser burro e aprender a tomar mais cuidado com a primeira Jade de Gusu.
Outra onda de irritação o varre e ele soca a parede novamente.
Sinceramente, é muito ridículo que ele tivesse que ficar se lembrando de ser cauteloso perto de Lan Xichen quando essa deveria ser a primeira reação de seu corpo para com qualquer um. No fim das contas, afastar as pessoas era o que fazia de melhor. Porém, isso não era necessariamente algo ruim, se lembra ele. Como líder de uma das maiores seitas de cultivação do mundo, o menor não podia se dar o luxo de ser um tolo amigável que sai confiando em qualquer estranho.
Entretanto...
Teria sido legal, imagina ele, ter um amigo. Poder confiar em alguém e conversar sem as mentiras e manipulações usuais.
Ele respira fundo.
Depois de um momento, a raiva começa a se esvair dando lugar a um vazio peculiar que há um tempo ele não sentia. Olhando em volta e percebendo onde estava, Jiang Cheng se lembra da promessa que havia feito a si mesmo de treinar mais e resolve que está na hora de cumpri-la. Dessa forma, ele vai até o centro do ringue e começa a praticar seus movimentos, treinando até que os mesmos sejam executados além da perfeição, sem que ele precise pensar.
...
Horas depois de sua discussão com Jiang Cheng, Lan Xichen andava distraidamente pelo Píer Lótus, ainda refletindo a respeito da conversa que havia tido com o líder de seita anteriormente. Até o momento ele continuava sem entender o que havia feito para irritar tanto o menor. Ele achava que estava sendo educado e que o melhor seria não incomodar o Jiang excessivamente, sinceramente temendo forçar de mais a recém formada "conexão" entre ambos, fazendo com que o outro fosse embora. Entretanto, ele havia entendido que para Jiang Cheng sua "recusa" havia ganhado um significado completamente diferente, muito embora ele não consiga pensar em qual.
A verdade é que ele não tem nenhuma ideia de como manter uma amizade saudável com qualquer pessoa que seja. Seus únicos amigos verdadeiros haviam sido Nie Mingjue e... Jin Guangyao. Seu coração se aperta ao pensar no homem e ele rapidamente espanta os pensamentos, focando em seu atual problema.
Zewu-jun sempre fora uma pessoa gentil por natureza (embora tenha perdido um pouco dessa característica durante o período em que entrara em reclusão) e isso fazia com que muitas pessoas se sentissem confortáveis o suficiente para se aproximar. Entretanto, o Lan jamais havia se conectado com nenhuma delas. Em muitas ele havia visto certa falsidade e o fato de ser um (futuro) líder de seita, impediu incontáveis outros de se aproximarem, seja por respeito ou temor. Assim, suas únicas conexões e experiências nesse quesito haviam sido aquelas compartilhadas com seus irmãos jurados e sua família de sangue (o que ele precisa admitir, não saíram muito bem). Por isso, todas as vezes que estava com Jiang Wanyin ele sentia que estava tateando as cegas no escuro como um completo tolo e que frequentemente acabava por derrubar uma adaga em seu próprio pé.
Ele suspira. Talvez pedisse conselhos ao seu irmão mais novo que, apesar de nunca realmente ter tido qualquer tipo de amigo por causa de sua frieza, era casado com Wei Wuxian, quem Lan Xichen considerava ser a pessoa mais social do mundo.
Na realidade, o Lan procuraria o jovem mestre Wei diretamente e pediria conselhos caso não achasse que seu cunhado fosse comentar sua conversa com o líder de Yummeng, que muito provavelmente ficaria mais irritado com ele do que já estava.
Um certo incômodo começa a crescer na jade com o pensamento. Por que, afinal, tudo isso tinha que ser tão complicado?! Amizade não deveria ser algo tão difícil, algo com que ele deveria ter que ficar se preocupando o tempo inteiro, com medo de dar um passo em falso que acabaria com tudo. Certo? Jamais havia sido assim.
Um grito frustrado lhe tira de seus pensamentos.
Imediatamente alerta, ele procura pela fonte do ruído e vê uma jovem mulher com vestes chamativas na frente de uma simples construção as margens de um dos famosos lagos de lótus do Píer. Ela parece estar discutindo com um jovem cavalheiro que fazia o seu melhor para tentar apaziguar a ira da moça.
Percebendo que uma crise iminente não estava prestes a acontecer, Lan Xichen o olha com certa simpatia e começa a seguir seu caminho, pensando em parar num restaurante, uma vez que não havia comido nada durante o dia, quando escuta:
- Eu não sou ela! - grita a mulher com lágrimas se formando em seus olhos - Eu não sou doce, ou gentil, ou afável! Essa sou eu! Se você não é capaz de me amar por quem eu sou, então chega! Eu não posso mais suportar que você continue me tratando como se eu fosse aquela mulher! Como se eu fosse sua substituta ou uma imitação doentia!
Nisso, ela começa a chorar, para o desespero de seu companheiro, que tenta se aproximar mas é empurrado.
O líder de Gusu para de ouvir a conversa de ambos nesse momento, recomeçando sua caminhada em direção ao centro da cidade. Ele havia entendido que estava invadindo um momento muito pessoal, mesmo que reconhecendo que se o casal se importasse com privacidade não estariam discutindo no meio da rua.