Capítulo 3

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As semanas foram passando. A dor também foi passando consideravelmente. Marco pegou a última mala com suas coisas faz, aproximadamente, três semanas. Ao todo estávamos entrando no terceiro mês de divórcio. Resolvendo os papéis e nada mais chato, e doloroso, do que ter que encontra-lo algumas vezes para resolver burocracias que não vêm ao caso.

Marquei com Georgia de almoçar e, infelizmente, pelo fato de estar chovendo muito naquele dia, não conseguimos ir à outro restaurante que não o da noite em que tudo aconteceu. Georgia me perguntou por diversas vezes se por mim estava tudo bem e eu assentia todas elas, mas as palavras não saíam de minha boca.

-Tudo bem? De verdade, Alicia, se você preferir outro restaurante ou até mesmo um fast-food, eu topo, ok? – perguntou mais uma vez. Ela era muito preocupada em relação a mim e eu apreciava a sua preocupação, algumas vezes eu me sentia até mal por não saber mais o que falar por ela continuar se sentindo culpada por tudo que aconteceu.

Passei a mão na cicatriz que agora carrego na mão e enchi os pulmões de ar, soltando logo em seguida. Lembrei que Georgia ainda esperava uma resposta minha, então dei um passo para dentro do restaurante e virei dando um meio sorriso.

-Vamos comer, Gee. – ela assentiu e entramos juntas.

Olhei o restaurante todo. Vasculhei cada canto do estabelecimento. Enquanto olhava, mexia na cicatriz da mão. Quem me visse de longe, diria que eu estava envergonhada por algo. Talvez sim, com o fato de que alguns funcionários tinham o rosto conhecido por estarem naquele turno da noite em que tudo aconteceu. Mas meus olhos não buscavam eles, meus olhos buscavam o responsável pela perfeita sutura e cicatriz quase imperceptível.

Alex.

Olhei mais algumas vezes e não o vi. Me conformei que talvez aquele não fosse seu turno e me sentei em uma mesa com Georgia. Ela logo começou a folear o cardápio, me passando em seguida.

...

Já tínhamos almoçado e algumas horas haviam passado. Georgia me contava que estava saindo com um australiano agora e que, por enquanto, tudo seguia bem. Eu sorria satisfeita mas sempre olhando ao redor.

-Por que você não para de olhar ao redor como se estivesse caçando alguma coisa, Alicia? – ela perguntou olhando para onde, agora, os meus olhos estavam fixos. – entendi. – ela riu.

Ele entrou pela porta dos fundos e, pelo fato de estarmos sentadas de frente para a cozinha, eu consegui reparar a hora exata. Ele tinha o cabelo preso em um coque, estava de camisa branca, calça jeans e uma jaqueta de couro. Ele rapidamente tirou a jaqueta e guardou na mochila juntamente com o que eu julguei ser um jaleco.

Um garçom passou e, pela fresta da porta que deixou com o seu corpo, os meus olhos encontraram os de Alex. O canto dos seus olhos se enrugou e eu percebi que era talvez um sorriso contido. Os meus também, imaginei.

Fiquei feliz com a possibilidade dele poder vir nos atender, mas foi mandado a outra mesa, o que diminuiu consideravelmente minhas expectativas.

O tempo foi passando, a sobremesa chegou e eu estava apertada para ir ao banheiro. Georgia mexia no celular, provavelmente falando com o seu "deus grego" como ela o chamou desde o início da nossa conversa.

-Vou ao banheiro, não demoro. – falei e ela nem prestou atenção.

Andei na direção do banheiro e entrei. Fiz tudo que deveria fazer e conferi meu cabelo na saída, como era de costume meu. Estava saindo quando me esbarrei em alguém alto o suficiente para me deixar de cara com seu peito. Não olhei para cima de imediato porque qualquer homem ao qual me esbarrava, tinha medo de ser Marco. Mas ao olhar para baixo percebi que usava avental.

Levantei meus olhos e então eles encontraram aquele infinito oceano azul e sorriso largo.

Era ele.

-Te assustei? – perguntou, meio sem jeito, meio sem saber o que falar.

-Não. – respondi de pronto.

Silêncio. Silêncio. Silêncio ensurdecedor.

-Você está bem? – dei seguimento.

-Eu que deveria te perguntar isso, não? – retrucou.

Eu, com certeza, corei porque não demorou muito para ele prosseguir puxando assunto.

-Como está a sua mão?

-Está boa. Não ficou uma cicatriz grande. Aliás, a equipe médica elogiou bastante a sutura.

Agora ele corou.

-Sério?

-Sim. O doutor que me atendeu perguntou quem foi que suturou com tanta perfeição e eu disse que tinha sido um estudante de medicina, residente. – sorri largo e parece que ele gostou do que eu disse ao médico, porque também sorriu de volta. – continuei – ele perguntou o seu nome e eu disse que era Alex. Ele disse ser professor de um Alex e me perguntou o sobrenome, só que eu não soube dizer.

-Hogh. – disparou ele.

Fiquei um pouco envergonhada pela rapidez com a qual ele disse o sobrenome, mas imaginei que tenha sido porque eu elogiei ele a um de seus futuros colegas.

Balancei a cabeça. Apontei por cima de seu ombro e sorri sem jeito.

-Bom, eu vou voltar para a mesa, deixei minha amiga sozinha. – falei.

-Quando eu passei, ela parecia estar se divertindo com o celular, estava rindo demais para quem não tem o coração ocupado por alguém. – disse.

Você ri demais também, Alex. O seu coração está ocupado por alguém?

-É, pois é, né? – abracei meu estômago que agora estava revirando. – talvez sorrir demais seja sinal de que a pessoa está apaixonada?

-Ou, talvez, ela esteja querendo encantar alguém com o sorriso e fazer a outra pessoa se apaixonar, depende.

Ele sorriu. De novo. Na sequência. Você está brincando comigo, Alex?

-Acho que, no caso dela, ela já está apaixonada. – presumi. Eu sabia que não.

-É preciso ter muita coragem para se apaixonar. – ele disparou e eu concordei com a cabeça, suspirando, lembrando que eu precisei de muita coragem para desapaixonar também. – mas também é preciso muita coragem para ser suturada sem nenhuma anestesia. – seus olhos encontraram os meus. – e eu me apaixono muito fácil pela coragem, Alicia.

Ah. Não. Não. Não.

A Alicia de 14 anos está soltando gritinhos e batendo palminhas só de ouvir isso. Parece que ele desperta os sentimentos adolescentes que existem dentro de mim. Uma nova adulta de 24 anos.

Nossos olhares se quebram no momento em que um dos outros garçons passa entre nós. Só assim percebemos que estamos na passagem. Limpo a garganta e aponto o polegar por cima do meu ombro.

-Preciso voltar. – digo.

-Tudo bem, eu também preciso voltar ao trabalho. Foi muito bom te ver, Alicia. – ele diz pegando uma bandeja e juntando alguns copos nela, sem tirar os olhos de mim.

-Foi muito bom te ver, Alex.

Caminho de volta até a mesa e Georgia me cumprimenta, acho que nem reparou o tanto que, talvez, eu tenha demorado. Não demora muito e eu peço a conta. Quem traz não é Alex, mas o homem que o segurou àquela noite. Abro o envelope e um pedaço de papel cai dele, pego e vejo um número de telefone. Olho para o garçom que sorri com cumplicidade e diz:

-É para caso a senhora precise de um delivery. – gesticula com a cabeça e eu vejo Alex logo atrás. Ele sorri e eu sorrio de forma envergonhada, contida, talvez.

-Obrigada. Com certeza, delivery vai facilitar bastante a minha vida.

Alex, você está facilitando meus sorrisos mas complicando bastante o meu coração. 


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