Alicia

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Algumas semanas se passaram desde que eu tive alta médica. Fiquei no apartamento de Alex, apesar de Georgia insistir para que eu ficasse no dela. De primeiro, ela riu, em seguida deu um sorriso maldoso.

Não sei como ela pode pensar que eu me envolveria com alguém tão rápido depois de tudo o que aconteceu. Estava no apartamento de Alex porque, de alguma forma, saber que ele era do mesmo sexo que Marco me faz ter a impressão de que Marco o respeitaria.

É sempre assim. Quando um homem da em cima de uma mulher e não percebe que ela está acompanhada, não é para a mulher que ele pede desculpa e sim para o sexo semelhante que acompanha ela.

Merda de machismo.

Faço esforço para me abaixar e amarrar os cadarços do coturno que calçava. Resmungo, minhas costelas ainda doem. Principalmente a fraturada.

Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha e me ergo, respiro fundo, me acalmo e tento amarrar de novo, sem êxito. Olho para o teto acima de mim e sei que Alex está em algum lugar do quarto de cima, isso porque não ouvi o ronco de sua BMW hoje cedo, então suponho que ele não tenha ido para faculdade ainda.

Subo as escadas com um pouco de dificuldade e percorro o corredor até a porta de seu quarto – que fica na cobertura. Hesito antes de bater, mas acabo fazendo. Não tenho resposta, então bato de novo e aperto a maçaneta, colocando só a cabeça para o lado de dentro.

Alex está recostado na cabeceira da cama, com uma calça moletom cinza, de meias, sem camisa e com os pés cruzados na altura do tornozelo, lendo um livro tão grosso que poderia matar uma pessoa se jogado contra a cabeça dela.

Logo seus olhos se desviam do livro e encontram os meus, ele se estica na cama para pegar o casaco do moletom, vestindo com pressa – ele pensa que não vi boa parte da escultura que ele é nesses segundos em pé aqui.

-Alícia, me perdoe, eu estava distraído, tenho uma prova amanhã e, você sabe... – ele se explica.

-Está tudo bem, não precisa se explicar. – puxei assunto a fim de demorar mais um pouco na presença dele, fora isso, também é porque detesto pedir ajuda. – este livro é sobre o que?

-Neurologia. – responde pegando o livro em cima da cama e estendendo para que eu veja a capa.

-Você precisa saber sobre tudo? – pergunto passando por ele e me sentando na ponta da cama.

-Não tudo, mas quanto mais eu souber, melhor.

-Tem razão.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

SILÊNCIO QUE EU NÃO SUPORTO, FALE ALGUMA COISA, ALEX.

Ele olha para o chão o tempo em que estamos calados e logo quebra o silêncio ensurdecedor.

-Está precisando de ajuda? – pergunta apontando para os coturnos.

Solto um sorriso sem jeito e coloco os cabelos atrás da orelha, fazendo que "sim" com a cabeça.

-Era só ter falado. – falar é muito difícil para mim, Alex, você precisa adivinhar.

Ele puxa uma das minhas pernas, apoiando em cima das suas, seu cotovelo está apoiado na minha canela e ele amarra o cadarço de um coturno, depois faz o mesmo com o outro. Sinto que ao final, ele faz um carinho na minha panturrilha, antes de devolver minha perna ao chão.

Coturnos amarrados, ao que parece minha boca também está.

Limpo a garganta.

Alex me olha de relance e espera que eu fale alguma coisa. Agradeça, talvez?

All of usOnde histórias criam vida. Descubra agora