14. Tudo

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Quando eu cheguei na cidade grande, sozinha, aos dezesseis anos de idade, eu aprendi algumas coisas. A primeira, eu estava sozinha e estaria assim para sempre. A segunda, não confiar em ninguém, principalmente homens.

Meu padrinho foi um anjo na minha vida, sustentou a minha estadia em Campo grande até que eu pudesse começar a trabalhar – só depois do final da faculdade, e me ajudou com tudo o que pôde. Ele só não me deu a sua presença, o que era perfeitamente compreensível, afinal ele tinha uma filha para criar.

Foram poucas as vezes em que ele esteve no apartamento em que eu vivia, mas uma delas eu nunca vou esquecer. Foi o dia em que Marcos salvou, mais uma vez, a minha vida. E, se ele não tivesse aparecido, talvez eu não estivesse aqui para contar história.

Eu era apenas uma menina, talvez não conseguisse entender tudo que poderia acontecer, mas Marcos me explicou e me garantiu que faria o que estivesse ao seu alcance para que eu nunca mais corresse um risco daqueles novamente. Foi assim que, aos 18 anos, eu ganhei a minha primeira arma de choque e, aos vinte e cinco, eu comprei a minha primeira pistola.

Uma glock G25 que me acompanhava em quase todos os lugares.

Eu queria que Marcos tivesse ensinado, para Soraya, as mesmas coisas que ensinara a mim. Nas noites em que ficamos até tarde no antigo apartamento, jogando conversa fora e falando mal da vida dos outros, nos dias em que ele me buscava de manhã e saíamos para montar a cavalo num haras próximo de Campo Grande.

Ele me matriculara num curso de defesa pessoal.

Ele me ensinara a não aceitar bebida de estranhos.

Marcos foi o pai que eu mais amei na vida, mesmo não sendo meu pai de verdade. Eu sentia no olhar de Soraya a falta que ele fazia na vida dela, mas ela nunca entenderia a falta que ele fazia para mim – afinal, ela nunca soube disso. Ninguém nunca soube disso. Para todos os efeitos, nossa relação de afilhada e padrinho fora cortada quando meus pais me colocaram para fora da Fazenda.

Só que não.

Nossa relação de afilhada e padrinho fora cortada no dia em que Marcos morreu. No dia em que ele me ligou, pedindo para que eu cuidasse de meus pais quando ele não estivesse mais aqui. No dia em que ele me pediu para cuidar de tudo.

E, eu não entendi naquele dia, mas entendi quando conheci Soraya.

Aquela mulher era a vida dele. Ele respirava pela filha, a amava com cada célula de seu corpo, tinha um orgulho imensurável por ela e sabia de todo o potencial abrigado naquele um metro e meio de pura birra e chatice.

Quando Marcos me pediu para cuidar de tudo, eu não entendi. Até eu conhecer Soraya.

Ela era tudo.

Com seu jeito por vezes inocente, hora completamente avoada com tudo relacionado à Fazenda, hora completamente perspicaz e inteligente. Soraya conseguia transitar facilmente entre a típica baronesinha que não sabia de nada e a fazendeira nata, que nasceu para cuidar daquela terra e fazê-la prosperar.

Ela não sabia ainda, e talvez nunca soubesse, mas a promessa de cuidar dela e de tudo relacionado à Olimpo fora feita muito antes de me apaixonar por ela. Fora feita enquanto, mesmo eu repetindo a meu padrinho que não queria conta com ela, ele me fizera prometer que não a deixaria sozinha.

A ligação de minha mãe foi apenas um incentivo para eu cumprir com minha promessa para a única pessoa que nunca me abandonou. A pessoa que me ouvia contar das mulheres que amei e que me dava conselhos – do seu modo, mas dava. A pessoa que todo ano tirava alguns dias para ficar comigo em Campo Grande, só para que eu não ficasse sozinha.

FAZENDA OLIMPO [Simone | Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora