FAZENDA OLIMPO [Simone | Soraya]

16. Eu minto

Acho que Soraya entrou naquele Jeep Renegade com um metro de altura e saiu com dois.

E o cachorro no colo, como a típica patricinha que sempre fora.
Quando chegamos na sede da Fazenda, cerca de vinte peões estavam reunidos ao redor de alguns bancos próprios para descanso. Ao fundo, pude ver minha mãe abraçando Carlos César pela cintura, e precisei conter o refluxo que veio instantaneamente quando observei a cena.

Os olhos de meu irmão encontraram os meus assim que rodeei o carro para abrir a porta do carona, revelando Soraya e Percy junto comigo. Janja, que nos esperou na porteira da Fazenda, veio logo atrás dirigindo a Frontier preta que me dava a alcunha de "mulher-da-picape".
Soraya e seus apelidos doidos. Doidos que nem ela.

Na noite anterior, assim que ela disse precisar de um veterinário, eu soube que o certo a se fazer era acionar Rosângela – minha melhor amiga e sócia. Rosângela era especialista em animais de grande porte, mas eu expliquei sobre as possíveis necessidades de Percy e ela disse que poderia ajudar: pelo menos coletando sangue, para verificarmos se ele estava infectado com alguma doença, e vacinando-o de modo correto.

Como eu pedi urgência, Janja pulou no primeiro avião de Belo Horizonte para Campo Grande e eu precisei buscá-la na outra cidade. Foram cerca de três horas dirigindo até Campo Grande e mais três horas de Rosângela dirigindo de volta a Rio Real – eu estava cansada, deixei o carro em sua mão e apenas fui guiando.
Bom, quando estávamos passando nos arredores da fazenda de Luís, minha amiga comentou com tristeza sobre ter visto um filhotinho na beira da estrada. Um filhotinho preto. Paramos o carro na hora e eu soube instantaneamente que era Percy. Eu reconheceria aquele olhar desconfiado em qualquer lugar do mundo, e bastou que eu me agachasse perto dele para que o animal abanasse o rabo e corresse para o meu colo.
A principio, acreditei que ele tivesse fugido na hora que saí de casa, mas agora vejo que não faz sentido. A distância entre a sede da Fazenda Olimpo e a Fazenda de Luís era muito grande para ser percorrida por um filhote – ele não aguentaria passar tanto tempo andando.
De qualquer modo, peguei o cachorro de volta e, para a minha surpresa, encontramos o conhecido carro parado no meio da estrada. Pedi a Janja para chamar Soraya, que com certeza reconheceria o meu carro, o que eu não contava era com as paranóias da Baronesinha.

Ri bastante quando ela chamou Janja de Hippie-Sequestradora, e decidi que pegaria esse apelido para a vida. Puta que pariu, Soraya era um ser humano diferenciado demais – e eu achava aquilo lindo. Seu modo de falar, seu modo de sentir, seu modo de existir... cada pequeno detalhe que compunha o mosaico de mulher que era Soraya me encantava.

O que nos traz ao presente momento: Soraya pedindo minha ajuda para subir num dos bancos para falar com os peões reunidos. Assisti quando Janja estacionou o carro ao lado do meu, eu passei o cachorro que estava no meu colo para ela e, logo após, a minha melhor amiga se posicionou junto a mim, arrancando um olhar incisivo de minha mãe. Não havia muito o que fazer, e, até eu explicar que Chico não era Francisco iria demorar demais.

- Gente, eu vou ser breve. – Soraya começou. – Precisávamos ter essa conversa faz tempo, mas eu fui relapsa. Na verdade, eu estou sendo relapsa com essa Fazenda faz tempo, e isso hoje vai mudar. – A baronesinha não estava gritando, mas falava firme. – Em primeiro lugar, e digo isso com muito respeito, preciso que vocês lembrem que a Fazenda Olimpo é minha e, portanto, a última palavra em relação a tudo é minha. Quando eu não estiver presente, a palavra é ser seguida é a de Simone.

Arregalei os olhos. Minha? Eu iria embora dali a 20 dias.

- Mas, Soraya...

Assisti a baronesa respirar fundo e fuzilar Carlos César com o olhar. Cruzei os braços sobre o peito, sabendo que agora a coisa ficaria boa.