19. Primeira-Dama

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Não sei se choveu lá fora aquela noite.
Assistir Simone fechando a porta e dando as costas para mim talvez só não tenha doído mais do que ouvir suas palavras afirmando que Rio Real não tinha nada para ela.
É, nada.
E eu gostaria de gritar em sua cara de que Rio Real tinha sim algo. Algo não, alguém. Rio Real tinha uma baronesinha, como ela mesma gostava de chamar, esperando por ela – mas eu sabia que não poderia falar aquilo. Eu simplesmente não poderia pois falar que eu estava esperando por Simone seria como admitir que estava apaixonada por ela.
Eu não podia estar apaixonada por ela.
Fechei a janela para que o vento não fizesse com que eu me sentisse mais fria do que já estava sentindo. Uma parte de mim queria sair por aquela porta, agarrar o pescoço de Simone e ficar em seu colo até que tudo ficasse bem – ou torcer para que ficasse bem, não importa. A outra parte, essa muito mais racional do que a anterior, pediu para que eu desse o tempo dela e tivesse o meu tempo também.
As coisas estavam ficando intensas demais entre nós, rápido demais. Odiaria ter que dar o braço a torcer para Simone, mas ela não errou quando previu que eu me apaixonaria por ela. Por Deus, como não apaixonar?
Logo depois de fechar a janela, decidi que era a hora de mudar a música – sinceramente, Baco não combinava em nada com o meu estado de espírito. Naquele momento, eu só queria deitar em posição fetal, abraçar meu travesseiro e torcer para que um carrapato de cavalo grudasse na perna de Simone e ela ficasse se coçando depois.
Mentira.
A quem eu queria enganar? Minha vontade real era estar deitada em seu colo recebendo o cafunézinho em meus cabelos que somente ela sabia fazer. E tudo isso por causa de meu pedido idiota – eu sabia que ela não iria ficar.
Ela nunca ficaria.
Ninguém ficaria.
Quando eu me apaixonei pela primeira vez, no auge de minha adolescência, decidi que o ideal seria me fechar em mim mesma, como uma lagarta no casulo esperando para virar borboleta. Era uma colega da escola, acho que umas duas ou três séries mais velha do que eu – e eu, com meus catorze para quinze anos, simplesmente não entendia aquilo tudo que estava acontecendo comigo.
A segunda vez que eu me apaixonei, eu me joguei de cabeça e sem capacete. Foi como me jogar em queda livre sabendo que eu iria me esborrachar no chão e, ainda assim, sentir que estava fazendo o certo – obviamente não foi. O relacionamento terminou e, com esse fim, acreditei que também havia acabado a minha vontade de viver.
A terceira vez que eu me apaixonei, foi como acordar depois de um pesadelo e perceber que nada importou – pois era mentira. Foi entender que os vinte e sete anos de vida que passei nessa terra não valeram, como se eu nunca tivesse respirado ar puro e finalmente meus pulmões pudessem se encher de oxigênio.
Dizer que eu havia encontrado uma luz no fim do túnel seria clichê demais, então eu poderia dizer que encontrei os faróis acesos de uma Frontier preta.
De todas as coisas fáceis que eu havia conseguido na minha vida, me apaixonar por Simone Tebet talvez tenha sido a mais fácil delas. E não era por sua beleza, ou pelo sexo incrível que me deixava com as pernas bambas e o corpo pedindo por mais, não, não era apenas por isso – e seria o ultimato da futilidade se fosse.
Eu me apaixonava por Simone aos pouquinhos.
Apaixonava quando ela se colocava de prontidão ao meu lado para me ajudar a descer do cavalo, num gesto de carinho e cuidado.
Apaixonava quando ela me fazia rir ou, mais ainda quando ela dava risada de alguma bobagem dita por mim, só para depois balançar a cabeça em negação e afirmar "você não tem jeito, Baronesinha". Sendo sincera, sua voz me chamando pelo apelido era uma obra a parte – e o mercado fonográfico brasileiro ficaria extremamente contente de ouvir seu tom baixinho e grave sussurrando um ba-ro-ne-sa arrastado, coisa que ainda bem que só eu tinha o prazer de ouvir.
Eu havia conseguido a proeza de me apaixonar pela única pessoa que seria incapaz de me amar de volta. Não porque eu não merecia, mas simplesmente por ser Simone – embora seu coração fosse gigante, eu estava convicta de que era impossível para ela se apaixonar verdadeiramente por alguém. Primeiro porque ela não se permitia e, segundo, seus traumas já eram grandes o suficiente para que buscasse mais.
Terceiro, ela poderia até se apaixonar por alguém, mas nunca por mim.
Como ela, Simone Nassar Tebet, em toda a sua altivez, beleza e inteligência se apaixonaria por mim, uma advogada frustrada e fazendeira falida?
Se Simone era incapaz de se apaixonar por alguém, eu era incapaz de fazer com que alguém se apaixonasse por mim.
Abracei meu travesseiro com um pouco mais de força. Eu não iria chorar, não por aquilo, mas também seria difícil evitar que qualquer lampejo de raiva ou frustração tomasse conta de mim... pudera, não era como se eu não soubesse de todos os empecilhos para que eu e Simone pudéssemos ter algo. Comecei a me sentir como uma adolescente emocionada que havia se apaixonado pelo carinha com quem trocou o primeiro beijo.
A voz um tantinho enjoada de Vanessa da Mata começou a embalar os meus próprios pensamentos. Estava começando a entender como era se apaixonar por alguém que nunca seria minha, e não estava sendo 100% minha nem na finitude dos dias que estávamos tendo juntas.
Fechei os olhos e suspirei longamente, sentindo o ar tomar conta de meus pulmões do mesmo modo que Simone tomava conta de mim. Se ela fosse uma bactéria, não haveria antibiótico no mundo capaz de matá-la em meu coração.
Foi aí que a primeira lágrima escorreu. Eu estava chorando novamente.
Não sei se choveu lá fora aquela noite, mas, naquele quarto, a solidão que me assolava fez com que chovesse por meus olhos madrugada a dentro.

FAZENDA OLIMPO [Simone | Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora