Extra 1

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As íris douradas de Theresa Cullen encaravam o horizonte sem realmente o ver. Parecia uma estátua, a pele pálida e os cabelos cor de bronze perdendo-se no negro do manto que lhe cobria o corpo.

Não parecia a bela mulher vitoriana que Jane conhecera séculos antes.

A vampira de rosto infantil parou a observá-la, os lábios prensados numa linha fina, a sensação de estar perto dela inquietando-a. Tessa era a única criatura que a fazia sentir-se... humana. Amava o seu irmão Alec com o seu coração congelado mas nem mesmo ele trazia as sensações que Tessa era capaz.

A empatia. A amizade. A confiança.

A dúvida.

Detestava-a por isso, claro. Humanidade significava impotência e fraqueza, diferente dos princípios de superioridade que os Volturi a ensinaram a prezar. Ao mesmo tempo, gostava como quem aprecia uma rosa coberta por espinhos. Era doloroso e destruía a sua mente formatada para obedecer aos Volturi cegamente.

As olheiras negras abaixo dos olhos de Tessa acentuavam o seu estado. Não se alimentava há meses. Aro obrigava-a a ficar fechada no palácio e recusava-se a permitir que se alimentasse de outra coisa que não sangue humano. A poderosa vampira aguentava-se sem alimento para não ceder aos caprichos do líder dos Volturi... e perecia lentamente. Estava mais magra, os ossos das bochechas vincados, os caninos salientes, as palmas das mãos marcadas pelas unhas com que se feria para ignorar a fome.

Jane não era capaz de vê-la naquele estado.

- Tess. - chamou, vendo a imortal dar um salto de susto, as íris escurecendo ao nota-la.

- Não quero. - respondeu, a voz enrouquecida- Se vieste tentar convencer-me...

- Não vim. Trouxe-te comida... da tua.

Com um gesto seco, atirou-lhe um saco de plástico na sua direção. Tessa apanhou-o com mestria, as pupilas dilatando-se ao sentir o odor a sangue espalhar-se pelo quarto.

- É...

- Sangue de porco. Roubei-o num talho, tal como disseste que fazias.

Estendeu-lhe uma palhinha, o estômago retorcendo-se ao ver os olhos de Tessa encherem-se de lágrimas. Um vampiro que chora era uma visão arrepiante para Jane.

- Obrigada. - murmurou a inglesa, num tom aliviado.

Sorveu o líquido encarnado com os olhos fechados, a expressão alterando-se notoriamente à medida que se saciava. Jane sabia que Tessa detestava beber sangue, era a pior parte de ser vampira e fazia o que fosse necessário para evitar fazê-lo muitas vezes. Ainda assim, bebeu o sangue com vontade sem nunca perder a sua elegância.

- Não devias ter arriscado o teu pescoço. - disse Tessa, abrindo os olhos - Se Aro souber, irá castigar-te.

Jane pestanejou, algo que fazia com pouca frequência. As palavras embrulharam-se na sua garganta, aprisionadas pelas emoções que não entendia e que não era capaz de verbalizar.

"Vales a pena." quis dizer-lhe, sentindo a boca secar, "Farias o mesmo por mim. Tu... despertas algo em mim que não entendo."

- Ele não irá descobrir. - respondeu com frieza, mantendo a expressão vazia - Terás de arranjar uma solução a longo prazo.

A inglesa assentiu. Pousara o saco vazio no topo da mesa, abraçando-se a si própria. Uma gota de sangue ficara nos seus lábios, brilhante e belo contra a sua pele pálida. Jane engoliu em seco, cerrando os punhos. Deu um passo em frente, num movimento involuntário, a mente fervilhando de pensamentos erráticos.

          Se o seu coração batesse, estaria desenfreado.

Ao encarar-se nas íris cor de ouro da mulher à sua frente, não pode deixar de reparar no olhar de desejo com que a observava.

Recuou um passo, notando que ela não reparara em nada. Viu-a mover a mão para retirar a madeixa cor de bronze encaracolada que lhe caiu para os olhos, o anel de rubi que Aro lhe dera ainda posto no seu dedo num gesto de submissão.

Depois, nas orelhas, uns brincos de prata emolduravam-lhe os lóbulos, num intricado de flores simples e bonito.

          Tocou neles num tique inconsciente, o olhar perdendo-se em memórias distantes. Estava a recorda-se dele, percebeu. Tessa contara-lhe que os brincos tinham sido um presente do seu melhor amigo, o lobisomem que a ajudara a recuperar do seu coração partido, o rapaz por quem eventualmente... se apaixonara perdidamente.

          Tessa encontrara o seu companheiro e chorava todas as noites por estar longe dele, da sua família, prisioneira num lugar que detestava, submissa de um homem que abominava.

         Jane, por seu lado, nunca se sentira tão feliz.

          Sentia-se egoísta. Preferia ter Tessa junto de si, miserável e faminta, a tê-la longe e nos braços de outro. Quando a via naquele estado, fazia o que podia para vê-la mais feliz.... Mas não por ela.

           Jane só não queria que Tessa partisse novamente.

           Iria acontecer. Sabia disso como quem sabe que o Dia sucede a Noite. O combustível para a alma de Tessa era pensar no final dos dez anos que entregara a Aro e a luta constante para se manter fiel a si mesma. Depois do choro, a conversa sobre tudo o que faria quando regressasse. O que diria. Para onde viajaria.

            A quem pediria perdão.

            Com o coração ferido, Jane recuou para a porta, escondendo-se nas sombras. Junto da janela, com o Sol a bater na sua pele marmórea, Tessa nunca lhe pareceu tão bela... e tão inalcançável. Estava ali mas não estava, o seu coração longe, preso na sua família e no seu companheiro.

          Tinha dez anos com ela. Dez anos e quem sabe quando a voltaria a ver.

          Dez anos para amá-la...

          Em silêncio.

           Pois de nada adianta confessar o amor a alguém cujo coração já pertence a outro.

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