O Horror

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Estamos chegando ao que parece ser Recife... A água tomou toda a cidade e já estamos há horas cada um em seu caiaque procurando terra firme. Nossa comida está ficando escassa, e a água está sendo racionada para que possa durar. Minha coluna dói, e meu humor só está estável pois de vez em quando olho para Sarah e ela sorri de volta. Meu pai permanece preocupado liderando o nosso pequeno grupo, e só escrevo agora que paramos para descansar.

Preciso lhe atualizar dos recentes acontecimentos, que começaram faz alguns dias... Quando o grupo de captação de alimentos passou por um enorme perrengue em uma das tantas missões as quais sempre fizemos de maneira despreocupada.

Saímos cedo, o sol mal tinha despontado no horizonte. Estávamos em sete, pois precisávamos encontrar e carregar bastante comida para a comunidade. A festa de São João teve suas consequências, os alimentos enlatados estavam em falta e procurávamos por galões de água que talvez estivessem submersos em um mercado qualquer próximo da igreja.

Eu estava atrás do grupo quando tudo aconteceu. Fui pega de surpresa como todos eles. Do nada uma grande rede de pesca havia nos impossibilitado de continuar. Ficamos presos ao que pareceram horas, nos deslocando pelo mar como se uma embarcação na superfície direcionasse o caminho para onde iríamos. Alguns de nós tentavam nadar até a superfície, outros se sufocaram sem ar. Eu tentava ao máximo me manter calma, mas a situação não colaborava para isso. Demoramos algum tempo até que a rede fosse recuperada pelo grupo que estava no barco acima. Quando subimos pudemos observar quem era o responsável pelo ocorrido.

Alguns homens e mulheres nos capturaram. Eles estavam mais ou menos em cinco. Ao nosso lado víamos um prédio caindo aos pedaços. Quando nos tiraram da rede fizeram questão de amarrar nossos pulsos para trás. As pessoas que tinham sufocado foram deixadas pelo caminho e meu pai foi levado para longe do grupo para ser interrogado. Perto de mim e dos outros sobreviventes um homem segurava uma pistola apontando para nossas cabeças. Minha vida inteira passou pela minha mente nesse momento. E eu sentia que começava a dissociar, não sabia mais onde começava nem onde terminava o meu corpo, a realidade parecia tão distante que eu conseguia me ver na situação como se estivesse fora do meu corpo. Um meltdown estava anunciado, e eu não sabia mais como voltar ou impedi-lo de acontecer.

Ao retornar, meu pai logo percebeu meu balançar para frente e para trás que ficou incontrolável. E pediu que me desamarrassem para que ele pudesse me acalmar. O pedido foi em vão. E ele apenas foi colocado perto de mim. O que foi suficiente para encostar a cabeça no meu ombro e me fazer, através do peso dele, retomar um pouco o contato comigo mesma. Ao cair da noite percebemos que dois dos homens se revezavam para tomar conta do nosso grupo. Eles pareciam não ter um plano muito bem delimitado, mas o silêncio da madrugada nos possibilitou ouvir uma conversa que ocorria no cômodo ao lado. As mulheres separavam armas que levariam até onde estávamos. Discutiam entre si: 'eles devem ter um local seguro para ficar. Vamos conseguir sobreviver!', 'mas e se não tiverem nada? Teremos apenas perdido nosso tempo.', 'temos que apostar que terão. Não aguento mais ficar nesse prédio.'

No meu bolso da calça eu conseguia sentir meu canivete. Um canivete que meu pai me deu no aniversário de 12 anos. Na época minha mãe o havia questionado tal presente. Se perguntava onde que eu usaria um objeto desse, e ele respondia que em acampamentos ou para abrir enlatados. O canivete tinha várias lâminas e muitas opções de uso. Ele era prateado com detalhes em preto. Meus pais costumavam errar feio os presentes para mim em datas festivas, mas dessa vez era diferente. Eu tinha gostado tanto do objeto que o usava de chaveiro na bolsa para ir pra escola, e em algumas situações de bullying ele me foi bastante útil para ameaçar os alunos que se ocupavam em infernizar minha vida. Alguma dose de coragem me tomava de vez em quando, e naquele momento, presa num lugar desconhecido e sob o olhar de gente desesperada, eu precisava dela mais do que tudo.

O Diário de Louise VerasOnde histórias criam vida. Descubra agora