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Já perdi conta do tempo. Não sei se passaram apenas uns dias ou meses desde que tudo começou.

O mundo ficou deserto, sem sequer uma pessoa à vista. Tóquio tornou-se completamente diferente, o enorme número de pessoas que circulavam pelas suas ruas, as festas, o trânsito, desapareceram.

Quase como que por alguma ação divina eu tivesse mudado para um universo paralelo, sendo ele o contrário daquilo a que estava habituada.

Pensava que estava sozinha até começar a embarcar nos chamados jogos. Jogos de sobrevivência muito diferentes do que eu chamaria divertido. Nestes jogos comecei a habituar-me a ver pessoas a morrer à minha frente, quase como se as suas vidas fossem insignificantes para este mundo.

Aprendi que não devo confiar em ninguém pois, como já vi em muitos desses tais jogos, as pessoas transformam-se para apenas sobreviverem, acabando muitas vezes por trair aqueles que nelas confiavam.

Percebi que a melhor maneira de sobreviver é em grupo, por isso quando me apercebia das boas capacidades de alguém num jogo convida-as para se juntarem a mim. Vivemos num hotel abandonado mesmo em frente da praia, o meu lugar favorito.

Decidimos que era melhor cada um de nós ter tarefas para nunca nos faltar água, comida, medicamentos, basicamente as coisas essenciais para a nossa sobrevivência.

Nos dias de jogo acreditamos que é cada um por si e só trabalhamos em grupo se for um jogo de paus.

Somos um grupo pequeno mas entendemo-nos bem e percebemos a regras que criámos.

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Estou deitada na minha toalha a apanhar sol. A melhor parte de viver aqui é que como nunca há muito para fazer, para além dos jogos, posso passar os dias no meu sítio preferido, a praia.

Levanto-me e sacudo os pequenos grãos de areia colados às minha pernas. Sem pensar duas vezes corro na direção do mar e mergulho na água fria, mas relaxante. O mar é algo tão enigmático, tão grande, tão profundo e muito pouco se sabe dele, isso é que o torna tão espantoso.

Penteio com os meus dedos o meu cabelo, impedindo que este fique em frente dos meus olhos quando saio para fora de água.

Ouço um barulho alto, que me faz de imediato perceber o que é. Carros? Um tubo de escapo? Mas os carros tinham deixado de funcionar desde que vim para este novo Tóquio, pelo menos não conheço ninguém que os saiba pôr a trabalhar.

Mas o que me preocupa mais neste momento não é o facto de estar a ver carros a andar depois de tanto tempo, e sim o facto de eles se estarem a dirigir para o hotel onde eu e o meu grupo estamos a viver.

Saio do mar o mais rápido que consigo, pego apenas na pequena navalha que tenho sempre comigo, deixando o resto da minhas coisas para trás e corro até ao hotel.

Pode parecer que estou a dar demasiada importância ao assunto mas ultimamente as pessoas têm estado alteradas, se lhes apetece, matam-se umas às outras sem sequer estarem nos jogos, algumas roubam pequenas comunidades que pouco têm e o mais preocupante é que muitas delas têm armas, mas não são armas brancas como facas e sim armas de pólvora.

Quando chego ao hotel vejo os carros já estacionados e sem nenhuma pessoa lá dentro, já devem ter todos entrado no hotel.

Entro no hotel e vejo um grupo de pessoas desconhecidas a apreciar o nosso hotel.

- Este sítio é perfeito! - Um homem esguio com óculos de sol e uma espécie de camisa avermelhada aberta exclama.

- É pena que já esteja ocupado. - Eu digo depois de esconder a minha navalha atrás das costas.

Poucos deles estão armados, apenas um homem bem constituído com cara de quem foi militar antes de tudo isto e um rapaz com tatuagens na sua cara. Mas como temia, ambos carregam consigo armas muito melhores que a minha, o militar uma metralhadora e o das tatuagens uma espécie de catana.

- Apenas por ti? Num lugar tão grande e magnífico como este? - O homem de óculos de sol diz. Pode não ter sido para me ameaçar mas ele pode estar a querer afirmar que é fácil acabar com a minha presença.

- Na verdade, somos um grupo. - Um sorriso surge na cara do homem.

- Ainda melhor. Já há algum tempo que planeamos começar uma sociedade para sair daqui, deste mundo paralelo. - Ele começa a aproximar-se de mim, o que me pode dar o ótimo momento para o atacar. - Já pensaste no quê que acontece se reunirmos todas as cartas? Um de nós poderá sair daqui. - Ele aponta em volta. - Mas para isso precisamos de colaborar uns com os outros e ser um grande grupo a trabalhar para o mesmo. E se reparares, este é o lugar ideal para hospedar muitas pessoas. Vocês poderiam juntar-se a nós.

- Imagine que eu e o meu grupo aceitamos a sua proposta, o quê que ganharíamos com isso? - Ele sorri uma vez mais como se já tivesse todas as respostas na ponta da língua.

Antes que ele possa responder sinto algo frio a tocar-me nas costas o que faz com que eu as arqueie. Sinto uma presença atrás de mim e percebo de imediato que não é ninguém do meu grupo porque o que me está a tocar é sem sombra de dúvida uma arma.

A arma sobe pelas minhas costas a cima até estar encostada à parte de trás da minha cabeça.

- Larga a navalha, linda. - Sinto a pessoa que me aponta a arma aproximar-se da minha cara quando fala.

Olho para a pessoa que me aponta arma e vejo alguém um pouco mais atraente do que esperava. Um rapaz com cabelo escuro pelos ombros encara-me com o sorriso provocador nos seus lábios.

Ergo a navalha à altura dos meus ombros e largo-a, fazendo com que o barulho do metal ao bater no chão ecoe pela sala. Sorrio falsamente para o rapaz à minha frente que me pisca o olho antes de se colocar ao lado do militar.

- Bom... - O homem com os óculos de sol tenta cortar o silêncio que surgira na sala. - Onde é que íamos? - Ele diz mais para si próprio do que para as pessoas à sua volta. - Ah sim, eu sou o número 1 desta comunidade, ou seja, quando conseguirmos todas as cartas eu serei o primeiro a sair deste sítio. Depois de mim há toda uma lista de pessoas ordenadas pelas suas capacidades e contribuições para a nossa comunidade. Se vocês se juntarem a nós vão ficar num lugar alto da lista e para além disso terão sempre garantido a vossa segurança. - Ele faz uma pausa, talvez para parecer mais dramático. - Aceitas a minha proposta?

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The deal  - Niragi [Sem continuação]Onde histórias criam vida. Descubra agora