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PANDORA
Acordo cedo. O coreógrafo espera por mim no salão do hotel, junto com os outros onze dançarinos. Letitta também está lá, olhando-me com um sorriso quando entro. Não tomei café, estou de mau humor e sem dormir. Nem me dou ao trabalho de sorrir também.
Não dormi nada a noite passada. Fiquei esperando você-sabe-quem aparecer na minha cama. Não, não exatamente esperando. Quase... ansiosa. É triste, mas é verdade. Fiquei me lembrando de quando tínhamos 17 anos, e ele escalava até a minha janela para entrar no meu quarto, e eu ficava esperando - fingindo que não estava esperando - com o coração dando saltos de alegria, até ouvi-lo bater de leve na janela. Eu o deixava entrar rapidamente, então ele tirava a camiseta e os sapatos e se deitava na cama comigo só de calças. Eu sentia seu cheiro e me aconchegava nele, querendo dizer que, desde que meu pai morrera, ele era a única pessoa que conseguia me fazer esquecer a dor. Querendo dizer que doía muito saber que minha mãe estava, dia e noite, trabalhando no caso para lhe tirar o pai também...
- Está tudo bem, foi ele que fez isso com ele mesmo - ele sussurrava quando eu, pela milésima vez, lhe dizia que sentia muito. Mas ele soava triste. Como poderia não estar triste?
Então eu caía no sono, por mais que tentasse ficar acordada, pois me sentia muito confortável com seu cheiro, calor e o jeito que ele passava a mão preguiçosamente pelas minhas costas. Então eu acordava sozinha, observando a marca no travesseiro dele e a janela discretamente aberta, denunciando a sua passagem, bem na hora que minha mãe entrava para me acordar para ir ao colégio.
- Feche a janela, está frio! - ela brigava comigo.
- Você está ficando igual à vovó - eu resmungava.
- Isso é muita falta de respeito, Pandora.
- Desculpe... - murmurava e ia para o chuveiro, deixando a água correr pelo meu corpo, já
detestando o dia que viria. Eu sabia o que ia acontecer, porque no dia anterior havia acontecido a mesma coisa, e no dia antes dele.

Veria Mackenna de longe, e ele me olharia também. Fingiríamos que não havíamos acabado de dar as mãos nem que eu tinha dormido com meu corpo aconchegado como um pretzel no longo e adolescente corpo dele. Conversaria em meu pequeno círculo de amigos, sentindo-o me observar como um lobo da mesa em que estava, com um monte de puxa-sacos ao seu redor. Depois do que houve com o pai de Mackenna, apenas os verdadeiros rebeldes de famílias problemáticas ficavam com ele. Todos esperavam pelo julgamento e pela sentença do pai... e quanto a Kenna?
Kenna já havia sido "julgado" por todos na escola. Todos, menos eu. Nos cruzávamos no corredor, sempre dando um jeito de esbarrar um no outro.
Chegávamos atrasados às aulas, sempre tínhamos métodos diferentes. Às vezes, ele andava a passos de tartaruga, se atrasando até o corredor esvaziar. Ou eu deixava meus livros cair no instante em que ele passava, para que ele se abaixasse bem perto de mim e os colocasse na mochila. Era tudo bem idiota, confesso, mas o dia era um sacrifício se eu não falasse pelo menos uma palavra para ele. Uma palavra com ele.
- Oi - ele dizia brandamente, sorrindo apenas com um lado da boca.
- Oi. Obrigada - eu simplesmente agradecia, quando realmente queria dizer: Quero ficar com você.
E seus olhos cinzentos diriam com uma frustração silenciosa:
- Por que não posso ficar com você?
A visão de todos os casais caminhando pelo corredor de mãos dadas acabava comigo. Nunca
deixava de perceber a tensão em seu maxilar, a tensão no ar, pois eu sabia que ele se perguntava por que não poderíamos também assumir nosso namoro daquele jeito.
- Minha mãe - eu explicava. Ela não entenderia. Estava me vigiando como uma águia desde que o vira caminhando comigo até em casa. Minha mãe destruiria tudo.
- Sim, eu sei, é que eu fico frustrado - ele sussurrava em minha orelha, com a respiração suave. Então pendurava a mochila em meu ombro e esfregava o dedo na minha pele, onde minha camiseta havia se erguido, roubando um toque... juntamente com meu coração.
- Venha em casa hoje à noite - eu pedia.
- Sempre - ele dizia.
Sempre...
Seis anos - um pouco mais que isso, na verdade -, e eu ainda me lembro daquele sempre. E
também dos momentos quando ele acordava, e seus olhos de repente pareciam prata antiga, depois de um olhar, sorriso ou toque meu, às vezes, quando ele olhava para o shorts que eu usava, e eu não conseguia mais olhar para prataria sem sentir uma angústia no peito. Mackenna não é mais aquele menino. E eu não sou mais aquela garota, esperando-o na cama, observando ansiosamente a janela. Mas na noite passada me senti muito como ela.
Eu me senti exatamente como ela, na verdade. Ansiosa, esperançosa, com medo de ter esperança. Vulnerável.

idolo.Where stories live. Discover now