Um Acaso por Acaso

Prólogo - O Mito das Almas Gêmeas

Olá, sou eu. A Morte. Calma, sua hora não chegou. Ainda.

Estou aqui para contar uma história. Não uma história qualquer, essa é especial, e, você, caro leitor, entenderá os motivos mais para a frente.

Mas antes de qualquer coisa, responda-me algo: o que é o amor?

Quantas vezes você já amou?

Quantas vezes você já foi amado?

O amor é complexo e intenso demais para ser resumido em meras palavras. É preciso bem mais que palavras ditas ao vento para amar alguém. O amor é algo construído diariamente com muita paciência.

E por falar em amor...

Havia uma jovem, muitos anos atrás, chamada Wednesday Addams. Vinte e dois anos e ainda não sabia o que era desejar tanto alguém a ponto de seu coração bater descompassado e em um ritmar perfeito.

Um dia, no entanto, ela conhecera o amor de sua vida. Porém, obviamente, no momento em que esse encontro ocorreu, nem ela e nem Enid Sinclair se deram conta que estavam destinadas uma a outra.

E como eu sei disso? Bem, eu sempre sei de tudo. Estou em todos os lugares e com todas as criaturas viva, apenas esperando que o cronômetro de suas vidas seja zerado para que assim eu possa levá-las comigo.

Antes de contar como esse encontro de almas aconteceu, eu gostaria de voltar um pouco no tempo, mais especificamente na Grécia Antiga.

Alguns dos homens mais ricos de Atena estavam reunidos em um jantar bebendo vinho, flertando com outros homens e mulheres e discutindo filosofia. Dois desses homens eram Sócrates e Aristófanes.

Conforme a noite passava, um assunto intrigante e interessante foi abordado: o amor.

Acontece que no Mundo Grego antigo, escritores e pensadores viam o amor como algo perigoso, pois poderia facilmente tornar o homem irresponsável, inconsequente, obcecado e alucinado. Entretanto, os convidados daquele jantar estavam obstinados em encontrar um verdadeiro sentido, algo que realmente fosse compreensível. Um deles falou convicto que os amantes eram corajosos; particularmente, ele falava de soldados homossexuais que eram amantes e que serviam um ao outro no exército. Segundo ele, o amor os tornava mais valentes que os demais soldados. Mais tarde, Sócrates sugeriu que aprender a amar era o primeiro passo em direção à descoberta filosófica.

Todavia, o discurso mais memorável fora o de Aristófanes. Após se recuperar de uma crise de soluços, o dramaturgo iniciou seu discurso. Diferente dos que ali estavam presentes, ele contou uma história. Um mito sobre as origens do amor.

Ele explicou que de início, os seres humanos tinham um formato diferente do que conhecemos hoje. Inteiriça era a forma de cada homem; possuíam o dorso arredondado e flancos em círculo; cada ser possuía quatro pernas e quatro braços além de dois rostos sob um pescoço perfeitamente torneado. Contudo, a cabeça sobre os dois rostos opostos um ao outro era uma só, porém com quatro orelhas. O andar era ereto, assim como o dos humanos da atualidade, em qualquer das direções que quisesse. Mas, ao tentar uma corrida, eles cambalhotavam e as pernas viravam para cima formando uma roda, fazendo assim com que os oito membros fossem apoiados e se locomovessem em círculo.

Esses humanos fundidos tinham três sexos, mas diferentes dos que vocês têm hoje. Alguns eram do sexo masculino em suas duas metades; outros possuíam apenas o sexo feminino; e havia um último tipo formado por um lado feminino e outro masculino.

Essas criaturas eram mais poderosas e fortes que os frágeis humanos de hoje.

Aristófanes diz:

- Terrível era o seu poder e força, e os pensamentos de seus corações eram grandes, e eles atacaram os deuses.

Os deuses então decidiram se reunir para decidir sobre como lidar com tamanha ousadia. A maioria sugeriu extinguir totalmente os humanos. Porém, Zeus retrucou dizendo que a humanidade precisava ser humilhada e não destruída. Os deuses tomados pela raiva decidiram dividir os humanos em dois.

" - E se eles continuarem insolentes e não ficarem quietos - disse Zeus - vou separá-los novamente e eles pularão em uma única perna."

E então, os deuses partiram ao meio os humanos.

Nessa nova era de eus separados, as duas metades vagam pela face da terra procurando uma pela outra. Homem procurando homem, mulher procurando mulher e homem e mulher procurando um ao outro.

- Encontrar essa parte de você mesmo... isso é o amor. - Aristófanes conclui.

Após essa divisão, as duas partes do homem, ambas desejando uma a outra, juntaram-se e lançaram os braços umas sobre as outras, fazendo morada em abraços mútuos.

E assim, aquele jantar foi dado como encerrado.

Não era diferente com Wednesday e Enid. Ambas procuravam e caminhavam uma em direção a outra, mesmo que não soubessem, mesmo que sequer se conhecessem.

Enid passara vinte e um anos de sua vida sentindo falta de algo que ela não sabia o que era. Havia namorado moças e rapazes e mesmo assim esse vazio em seu peito nunca chegou perto de ser preenchido. E ela tinha medo de se sentir incompleta pelo resto de sua vida.

Wednesday também não se sentia diferente. A moça de cabelos negros como a noite tentava ignorar aquilo que tanto a atormentava em suas noites mais solitárias, mas aquele sentimento de incompreensão sempre esteve com ela onde quer que ela fosse.

Mas naquele dia, tudo mudou para as jovens...