Capítulo 10: Mnemósine

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Mnemósine, a deusa da memória. Filha de Urano (o Céu) e Gaia (a Terra), a titânia descendia da primeira geração divina. A geração surgida no tempo original onde o passado mais longínquo deu origem a todos os humanos. 

Fora Mnemósine a responsável por descobrir a capacidade da memória. Ela passou a batizar vários objetos e criou inúmeras concepções para que assim os mortais pudessem conversar e se entender sem que houvessem brigas. Mnemósine era aquela que tudo sabia e tudo lembrava, a criadora da linguagem. 

Nutria uma paixão por Zeus. Com sua excelência ao contar histórias, ela conseguiu atrair a atenção do deus. Durante nove dias consecutivos, eles se relacionaram, e, meses depois, a titânia deu a luz às Nove Musas, nascidas para que fossem as protetoras das artes, ciências e letras. 

Mãe e orientadora das Musas, a deusa da memória foi a ocasionadora da revelação e conhecimento do mundo através de suas lembranças, sendo apoiada pelo canto cativante das filhas. 

Mnemósine impedia que as pessoas esquecessem quem elas eram, de onde vieram e o que queriam.

O futuro não existia; havia apenas o presente misturado ao passado. 

Para os gregos antigos, relembrar significava libertar um momento para então torná-lo eterno em oposição à experiência com o tempo como algo passageiro, que transcorria e que se perdia. A recordação, portanto, ao resgatar o tempo, confirmava a imortalidade a alma humana numa tentativa de escape do óbito.

*

A pequena Enid olhava apreensiva para o papel em suas mãos enquanto esperava pelo pai. Na prova de matemática, um enorme oito estava rabiscado de vermelho. Ela havia fracassado e teria consequências, sabia bem disso.

Ela avistou o carro do pai se aproximando da calçada do colégio e logo se enfiou nos bancos traseiros do veículo. 

Murray estranhou o silêncio da filha e a expressão chorosa e séria que a menina carregava. Geralmente, a garotinha não parava de tagarelar sobre como havia sido seu dia, sobre o que havia lanchado ou sobre como gostava de brincar durante o intervalo das aulas com os amiguinhos. Enid estava calada demais e ele não gostou daquilo.

- Tudo bem, filha?  - Ele a olhou pelo retrovisor, mas não obteve resposta. A menina encarava as próprias mãos que ainda seguravam o papel. - Fale para o papai o que aconteceu e daremos um jeito. - Ele pediu docemente.

Enid buscou pelos olhos dele e suspirou derrotada. O homem oscilava o olhar entre ela e o trânsito a sua frente.

- Tirei oito em matemática. Mamãe vai me matar. - A voz trêmula e embargada fez com que Murray sentisse um aperto no coração. Odiava mais que qualquer coisa ver a filha com aquela carinha de choro.

- Oito é uma ótima nota, principalmente se tratando de uma matéria tão complicada. Você foi bem, filha. - Novamente, ele buscou o olhar dela e se sentiu derrotado ao ver os olhos marejados da menina. - Quanto a sua mãe... Conversarei com ela, não se preocupe. Não é o fim do mundo se você não for perfeita em todas as matérias. 

- Ela vai ficar brava, papai. Não gosto quando ela grita.

Ao ver que as primeiras lágrimas escorriam pelo rosto da filha, Murray não exitou em parar o carro no acostamento. Ele se virou para ela e gentilmente limpou as lágrimas com o polegar.

- Sua mãe vive estressada por causa do trabalho. Coisa de gente grande. - Enid encolheu os ombros; ela já sabia de cor aquele discurso. - Hoje as coisas serão diferentes, meu amor. Papai está aqui. - Ele se esticou todo para beijar a fronte da menina que o olhou cheia de esperança nos olhos. Logo, as lágrimas deram lugar a um sorrisinho banguela. - O que me diz de um sorvete antes de irmos para casa, hum? 

Um Acaso por AcasoOnde histórias criam vida. Descubra agora