Onze. Mamãe

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Acordei gritando e cheia de suor, levo a mão esquerda trêmula ao peito, onde sinto meu coração bater forte o suficiente pra pular pra fora de meu peito, e levo a direita a boca. Sinto meus olhos encherem d'água, e as lágrimas rolarem sem parar pelas minhas bochechas. Fico assim por um tempo agarrada as minhas próprias pernas ainda chorando, pensando na minha família biológica, em minha mãe, em meu tio David e enfim chego à conclusão de que preciso voltar, preciso verificar.

Vou até o lado de fora e confiro Murphy, arrumo uma bolsa com suprimentos, água, primeiros socorros e etc. Ponho a cela em minha Ikran que ruge auto, pegou a parte de cima de sua boca e puxo para baixo, fazendo "xiu" para que não faça barulho. Ao fim de minha organização estava apenas checando as coisas para a viajem quando uma voz repentina ecoa atrás de mim.

— Pra onde você pensa que vai? — Viro assustada e vejo Neteyam em pé me olhando com os braços cruzados.

— Por Eywa não me assuste desta maneira! — Digo em busca de mudar de assunto.

— Vamos não fuja de minha pergunta Rey'eng, pra onde você vai? Ainda é noite. — Ele diz se aproximando.

— Eu vou voltar pra minha ilha. — Digo voltando a arrumar as coisas na cela de Murphy.

— Agora? Por que?

— Porque Eywa me mostrou minha família morta. — Digo olhando pra ele seria, mas ainda sim gesticulando bastante. Ele me olha confuso. — Eu sei que parece loucura, mas a grande mãe se comunica comigo, ela me fala coisas que realmente acontecem, eu preciso saber como minha família está, e você não vai me impedir. — Ele bufa e põe as mãos na cintura.

— Pegue Murphy e vá pra praia me espere lá.

— Como é? Você não vai comigo.

— O que? Quer que eu te deixe ir sozinha? Isso sim é loucura. — Ele sorri e sai andando.

Termino o que tenho pra ajeitar, pego Murphy e em silêncio vou até a praia. E quando chego já o vejo lá, de costas olhando pro reflexo da lua no mar.

— Já está pronto? — Pergunto.

— Sim senhora. — Ele se virou pra mim em formação com as mãos dadas atrás do corpo.

— Ok! — Digo rindo de sua expressão.

Montamos nos Ikran e pegamos voo não muito tempo depois. Planamos auto o suficiente para que fôssemos submersos pelas nuvens, como forma de camuflagem, seguindo para oeste com o vento forte de lá. Seguindo contrário ao crepúsculo que se iniciava naquela madrugada gelada, ainda a horas de distância de nosso objetivo. Já era por volta de meio dia e o horário previsto para nossa chegada era por volta do início da manhã do dia seguinte.

Olho para Neteyam e o mesmo parece concentrado na paisagem, começo encarar o rapaz por mais tempo do que havia notado, percebo cada traço facial dele com mais atenção do que geralmente, Kiri tinha razão, ele era igual a mãe. Ele olha de canto para mim, e percebe que meus olhos estão nele, ele olha de volta pra mim e sorri. Ele faz um gesto mínimo com a cabeça balbuciando "o que foi?", respondo balançando a cabeça negativamente e voltou meu olhar para o horizonte.

(...)

Horas a fio no céu, apenas na base do biscoito de arroz e frutas. Quando finalmente depois de horas temos um sinal a alguns quilômetros, minha ilha, minha casa, eu estava de volta. Pousamos a costa com os Ikran, tiramos os protetores dos olhos e eu respiro fundo, a procura do aroma doce que sempre sentia da nossa plantação, mas ao invés sinto um cheiro podre no ar, cheiro de queimado, destruição, morte.

Aquilo corre pela minha espinha, sinto meu corpo dos pés à cabeça estremecerem, por favor que eu esteja sonhando. Neteyam percebe meu incomodo e põe a mão sobre meu ombro, o que inicialmente me assusta.

— O que aconteceu? Você não parece bem. – Tento manter minha respiração regulada. Aceno com a cabeça e engulo seco.

— Está! Vamos temos mais o que fazer. — Digo firme apesar de me sentir uma garotinha assustada, tinha medo de avançar, tinha medo do que ia ver.

Vamos andando e tudo aparentemente parece normal exceto pelo aroma incomum e por estar num silêncio qual ensurdecedor. Entro no primeiro módulo, onde tínhamos a nossa estufa, com uma variação enorme de frutas, agora, reduzidas a pó, cinzas e átomos. Ponho a mão sobre a boca horrorizada com a imagem. Neteyam logo atrás de mim olha com as orelhas murchas e volta o olhar preocupado pra mim.

Sem nem pensar duas vezes, corro para o próximo módulo, o laboratório. Ao ver a porta arreganhada diminuo meus passos e sinto meus joelhos vacilarem, e avanço devagar, com o garoto Sully logo atrás. A cena é apavorante, cientistas, homens bons, mulheres boas, jogados no chão, manchados com seus próprio sangue. Corpos sem vida para todos os lados, Neteyam fica apavorado, tanto quanto eu, pois ainda estou em choque, porque a cena era exatamente igual a do meu sonho, e se eu estiver certa, o que eu desejo com todas as forças que não, eles não são os únicos.

— Oh grande mãe... — Rogou o rapaz em choque. — Rey, você está bem? — Sua voz ecoava e eu a ouvia mas por mais que tentasse não conseguia me mover.

Num impulso, minhas pernas começam a se mover como se estivessem com vida própria, me levanto para fora do módulo. Olho para fora e vejo presa ajoelhada numa árvore o corpo sem vida de minha mãe, não o de seu avatar e sim o seu original. Ao seu lado jogado ao chão, tio Daniel morto com um tiro na cabeça. A visão de distorce pelas minhas lágrimas. Não era igual a imagem que tive em meu sonho, mas sim pior.

— Não, não, não, não, não, não! — Digo chorando pondo as mãos sobre a boca. Soluçando vou até o corpo de minha mãe, já gélido eu o agarro com força como se nunca mais fosse soltar. — Eu sinto muito! Mãe me perdoa, por favor. Eu sinto muito! Volta por favor, eu imploro. Grande mãe por favor. Mãe, mamãe, não me deixe, eu preciso de você. — Digo em desespero.

Sinto o braço de Neteyam me agarrar para perto de si, me puxando para longe do corpo. Eu agarro com mais força, me negando a soltar.

— Não. Mamãe! Mamãe! Acorde! Vamos, acorde! — Grito e ele me arranca.

— Eu sinto muito Rey'eng. — Ele apenas põe a mão no meu ombro, viro o rosto molhado para o mesmo que me abraça. Envolta sobre os braços do rapaz, o abraço forte, com meu rosto encostado no seu peito.

— A culpa é minha Neteyam, se eu tivesse ficado poderia tê-los protegido. — Digo já com os olhos inchados.

— Não. Eu tenho certeza que sua mãe te mandou embora porque só queria seu bem. Ela está com Eywa agora.

Suas últimas palavras me quebraram por inteiro, sabia que ela estava num lugar melhor, mas ainda sim doí não ter mais a pessoa que eu mais amo comigo. Eu sei exatamente quem fez isso, e eu vou fazer de tudo, mas eu vou ter a cabeça daquele homem em vingança a minha família.

Never Been HurtOnde histórias criam vida. Descubra agora