Vinte. Nag yawne lu oer

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Já tem algum tempo desde que Jake, Neytiri e o Lo'ak saíram. Permaneço agarrada a mão de Neteyam, segurando-a perto de meu rosto, relembrando de seu toque, da forma como ele era gentil e atencioso, respeitoso ao me tocar, sempre que nos encontrávamos ele depositava um pequeno selar ou em minha testa ou em meu ombro. Lágrimas ainda escorregavam pelas minhas bochechas, e elas ardiam, ardiam como fogo na pele, mas ainda assim estavam lá.

Tsireya estava sentada ao meu lado, com a cabeça encostada em meu ombro, a garota chorava como um recém-nascido. Olhava para o barco e lembrava de Tuk e Kiri lá presas e como deviam estar assustadas, temia pelas suas vidas, mas apesar de querer ajudá-las meus músculos não me obedeciam, na verdade eles só doíam, muito, por isso permanecia, parada, impotente, talvez até inútil. Aquelas palavras pesavam em minha mente e me faziam ficar cada vez mais mal, vim até aqui pra isso? Pra ver as pessoas que amo morrerem bem diante meus olhos? Isso pra mim como uma filha de Eywa chegava a ser vergonhoso.

Olhei pro mar e lembrei de seus princípios. "O caminho da água não tem começo nem fim. O mar está em volta e dentro de você. O mar é o seu lar antes de você nascer e depois que você morre. O mar tira e o mar dá. A água conecta todas as coisas. Da vida a morte. Da escuridão a luz." Eu sou uma filha de Eywa, da tribo da água e dos animais, não tenho que abaixar minha cabeça para nada nem ninguém, muito menos para um povo intruso e desconhecido, que zomba de nossas tradições e fere nossos irmãos e irmãs. Já perdi demais pra eles, me nego a perdê-lo também. Me levanto num impulso só. Tsireya me olha confusa e pergunta: 

– Rey? O que está fazendo?

– Salvando Neteyam. – Digo firme o que faz a garota ficar ainda mais confusa. Ela se cala e apenas me observa.

Com uma força que nem sei de onde tirei, arrasto o corpo do rapaz até a margem da água. Me sento a borda sentindo as ondas baterem em minhas pernas. O coração de Neteyam podia ter parado de bater, mas nem todas as suas células pararam de funcionar. Pego sua fila e em seguida a minha, fecho os olhos e respiro fundo. "Por favor, volte pra mim." Cochicho apenas para mim e então realizo a conexão. Sua fila inicialmente sem vida brilha ao entrar em contato com a minha, suspiro aliviada e então me concentro em nossa conexão. Seria eu tão forte a ponto de revogar até mesmo a morte? Não, eu não, mas Eywa sim.

Memórias  e pensamentos me são revelados. Cada memória , boa e ruim. Seus pensamentos e anseios todos a mercê de meus olhos, os mais profundos e íntimos ali presentes, como em inúmeros flashs. Enfim chego a um lugar, uma espécie de campo com um acampamento. Várias  crianças correndo de um lado para o outro gritando e sorrindo. Uma mulher de longos cabelos semelhantes aos meus passa ao meu lado, era eu, porém mais velha. Usava um colar de pérolas  com uma tanga de algo que parecia ser seda, e um manto longo e branco, com uma criança em meu colo.

Vi ao longe um homem se aproximar com o que parecia ser a caça do dia, era Neteyam, assim como eu mais velho. Uma das crianças correu em sua direção e ele a pegou no colo e rodopiou, se voltou então para minha versão mais próxima e fez como fazia sempre depositou um beijo em sua testa.

– Eu vejo você ma'Neteyam. – Se pronunciou minha versão mais velha.

– Eu vejo você meu amor. – A naturalidade com que disse isso me assustou um pouco mas prossegui.

A mulher então se afastou e entrou numa tenda mais afastada. Aproveito a oportunidade e corro até Neteyam. Agarro seu braço e ele me olha confuso.

– Rey? O que?

– Precisa me ouvir! – Digo com a respiração um tanto descompassada.

– Por que está tão... jovem? – Ele indaga confuso.

– Olha vai difícil ouvir isso, mas nada disso aqui, é real. – Digo olhando em volta. – Isso se passa apenas no seu subconsciente. – Ele se afasta meio exaltado.

– Do que está falando? Perdeu o juízo?

– A verdade bizarra e esmagadora é que você morreu na guerra... eu estou aqui,  tentando de trazer de volta.

– Olha você deve estar confusa... não estou morto agora estou?! – As palavras somem de minha boca tento pronunciá-las, mas nenhum som se forma.

– Ouça a garota Neteyam. – Minha sósia se aproxima dizendo. – Veio pra cá depois de sua morte, para o seu sonho mais cobiçado, a coisa ou o lugar que mais deseja estar. – Ele vacila alguns passos para trás até finalmente cair no chão.

– Isto... não é possível, eu não compreendo.

– É difícil de entender, mas o que sei é que, Eywa deu a mim ou a você, sei lá, uma chance de voltar. – Digo expressando bem minhas palavras com as mãos.

– Pode voltar ou pode ficar com sua família, aqui, sem dor nem sofrimento algum. – Minha versão mais velha fala.

– O que acontece se eu ficar? – A mulher solta um pequeno riso nasalado então prossegue.

– Jake ficará cada vez mais amargo e solitário. Neytiri jamais voltará a ser a mesma, sabendo da dor de perder um filho. Seu irmão se culpará pela sua morte para sempre. Kiri irá adquirir uma depressão e acabará definhando até a morte. Tuk crescerá com uma lembrança vaga de você. – Ela termina de braços cruzados.

— E quanto a você? — Ela solta um pequeno riso em compaixão e olha pra mim. — Ela tentará ir com você. — Ela fala tirando a túnica, dando visão para os braços nus e repletos de cicatrizes.

— Grande mãe... — Digo com as mãos na boca e os olhos cheios de lágrimas.

Ele olhou para ela horrorizado, e voltou o olhar pra mim.

— Eu quero voltar. — Ele diz firme.

— Não quer saber as consequências disso? — Disse ela pondo de volta a túnica.

— Não! — Ele segura minha mão e no momento que o faz volta a sua aparência de seus 15 anos. — Se eu estiver com Rey estarei feliz.

— É claro.

Naquele momento eu entendi. Não era uma imagem minha criada pela consciência de Neteyam apenas, era Eywa, usando de minha boca para transmitir suas palavras. Fechamos os olhos e senti novamente em minhas pernas a água ir e vir. Abro meus olhos lentamente e vejo em meu colo o rosto pálido de Neteyam, sereno porém ainda sim desacordado. Olho para o lado e vejo Tsireya olhando pra mim com lágrimas nos olhos e compaixão em seu semblante.

— Ao menos você tentou. — Disse dando de ombros.

Eu concordo logo sentindo um toque em minha bochecha. Olho para baixo e vejo Neteyam de olhos abertos, olhando diretamente para os meus. Ele olhava para mim de uma maneira que ninguém nunca jamais olhou. Seus olhos transmitiam um amor sincero e genuíno, podia sentir, podia perceber que aquilo vinha do fundo de sua alma.

— Nga yawne lu oer Rey'eng Hofstadter. — (eu te amo) Disse e eu respondo com lágrimas nos olhos.

— Nga yawne lu oer Neteyam Sully.

Never Been HurtOnde histórias criam vida. Descubra agora