VI. O que dói

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Seus passos ecoaram no corredor vazio. Um hospital pode ser aterrorizante à noite, quando todos os pacientes já foram dormir, quando as visitas não podem mais entrar, quando o único som é o bip dos aparelhos ligados às veias dos doentes. Mas Hermione não tinha muito medo disso. As coisas que aconteceram em sua vida a tornaram mais fria, imune a esse tipo de temor. Não tinha medo de quase nada.

Mostrou a credencial quando passou pela recepção. A bruxa vestida de verde, simpática, desejou boa noite. Perguntou o que ela queria fazer em St. Mungus àquela hora. A resposta foi rápida, quase ensaiada: "O filho do Sr. Marris pediu que eu trouxesse alguns papéis"

"A doutora gostaria de deixá-los comigo? O Dr. Marris não se encontra no momento", a mocinha respondeu com um largo sorriso no rosto jovem. Hermione retribuiu com um sorriso muito menor. Não estava se sentindo à vontade com sorrisos nos últimos dias.

"Obrigada, mas creio que só posso deixá-los nas mãos dele. Ele fica de plantão hoje, não fica? Eu poderia esperá-lo em sua sala"

A menina ponderou. É claro que ponderou. Afinal, quem desconfiaria de Hermione Granger? A pessoa que nunca fazia nada errado? A pessoa que nunca trairia a confiança de ninguém, nem em vida, nem em morte?

"Tudo bem. Acho que a senhora sabe onde fica a sala dele, não sabe?"

"Sei sim. Obrigada", Hermione guardou a credencial na bolsa, sentindo um gosto amargo dançando por sua língua. Mas esse gosto estava lá há quase duas semanas, quando suas papilas gustativas entraram em contato com a saliva de Malfoy, e não sairia tão fácil. Por mais que ela escovasse os dentes e tomasse poções do sono que entorpeciam tal músculo.

Caminhou pelo resto do corredor vazio, subindo dois lances de escada. Se realmente fosse falar com o pai de Marris, aguardaria no primeiro andar. Mas seus interesses estavam bem acima, no quarto andar. Mais dois lances. Era onde ficava o necrotério do hospital.

O responsável por aquela seção era o Dr. Cormac McLaggen. Tinha beijado o mesmo na adolescência, quando o convidou para uma festa de Natal do Clube do Slug, mais para fazer ciúme em Rony do que qualquer outra coisa. Cormac era chato e inconsequente e, sempre que o via – e o vira muitas vezes enquanto estudavam medicina juntos – ele tentava retomar o antigo casinho, de uma forma ou de outra. Mas sua competência não estava em discussão: como legista do St. Paul – o maior hospital bruxo escocês – seu trabalho incomparável descobrindo a Causa Mortis durante a Guerra tinha sido mundialmente reconhecido. Fora transferido para o St. Mungus assim que ele foi reaberto. Mesmo sendo da sua idade era um dos médicos mais conceituados do mundo bruxo.

Quando bateu na porta indicada pela placa com seu nome – lustrosa e dourada, diferente daquela em Azkaban, que Rony lhe dera – esperou que ele fosse demorar para atender, naquela preguiça que vem em todos aqueles que trabalham até mais tarde. Mas não. Ele abriu a porta rapidamente, como se já estivesse com a mão na maçaneta quando ouviu as batidas.

E se Hermione não estava à vontade com sorrisos, risinhos irônicos tiravam sua calma. Francamente.

"A princesinha desceu de seu castelo e veio se reunir com os mortais?", Cormac perguntou, com um sorrisinho no canto dos lábios. Era engraçado, mas desde que vira Malfoy sorrindo assim, Hermione tinha a impressão de que todos no mundo que também sorriam assim estavam tentando imitá-lo. Aprendizes que nunca superariam seu mestre.

E, exatamente por causa de pensamentos como esse, Hermione não estava com paciência para ironias.

"Se o castelo é Azkaban, acho que sua pergunta infeliz já tem resposta", ela disse, passando pelo corpo dele e invadindo seu consultório. Cormac riu, fechando a porta. Hermione cruzou os braços, encostando os quadris na mesa. O colega reclinou-se contra a porta fechada, ficando na sua frente, os braços também cruzados, "Preciso de um favor"

HALLELUJAH | DramioneOnde histórias criam vida. Descubra agora