XIII. No Sol

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today is gonna be the day that they're gonna give it back to you

O gosto amargo do tabaco tocou sua língua. A fumaça quente invadiu seus sentidos, fazendo com que seu corpo respondesse às sensações proporcionadas pelas três mil substâncias tóxicas envolvidas em papel branco. Não era relaxamento. Era tensão. Não fumava para buscar conforto - fumava para evitar conforto. Para saber que suas veias estariam cheias de nicotina quando fosse apenas um cadáver e estudantes resolvessem descobrir por que algumas pessoas no mundo são bruxas e outras não.

As veias estariam rígidas, o sangue estaria estancado, e a nicotina que tingiria de negro cada capilar venoso seria o único resquício de Draco Malfoy em seu corpo.

"Você não acha que isso é autoflagelamento?", sua mente lhe perguntara um dia, quando ainda estava no décimo dia de vício. Ela fechara os olhos ardidos (devido à fumaça, e não às memórias) e negou. Negou que fazia isso apenas para sentir o cheiro, para sentir o gosto, para morder os lábios com vontade de chorar.

Mil e quatrocentos dias depois, ainda negava. Negava até mesmo que aquilo era um vício - não porque estivesse fraca e cansada demais para assumir qualquer coisa em sua vida, mas porque, para ela, fumar realmente não era um vício. Era um exercício. Um exercício de saudade.

Durante anos conversara com as fotos de Rony, sentindo o peito apertar cada vez que olhava para seu rosto sorridente em porta-retratos e lembrava de tantas, tantas coisas. Isso nunca mudara o fato de que ele estava morto. Mesmo assim, continuava olhando as fotos. Não tinha fotos de Draco Malfoy, porém - céus, lembrava de seu rosto? - e, definitivamente, fumar não mudaria o fato de que ele também estava morto.

Mas fumar mudava as coisas dentro de si. Mudava a disposição de seus órgãos, mudava a composição de seu sangue, mudava o

posicionamento das memórias em sua mente. Fazia com que ela visualizasse tantas coisas já esquecidas, quando o cheiro de tabaco e hortelã e Dezembro despertava todos os seus sentidos.

E seus sentidos estavam entrando em colapso. Bem devagar, um por um, até que um dia parariam completamente e só restaria a nicotina enegrecendo seu sangue.

(Deus, ela pensava, assim que a fumaça escapava por seus lábios e ela podia apoiar a cabeça em uma das mãos e sentir-se mais racional. Mais ela mesma, antes dele aparecer e foder com tudo. Eu preciso ser forte. Por Amie. Amie já é sua força, Deus poderia responder. Mas Ele dizia absolutamente nada.)

-X-

by now you should've somehow realize what you gotta do

O sol nascia no horizonte, banhando de dourado-claro o céu cinzento, quando Hermione pôs os pés na balsa. Abraçou o casaco próximo ao corpo: a névoa fina que sobrevoava o Mar do Norte era fria.

A sombra de Azkaban surgia gradativamente. Já era depois de amanhã, já eram seis e dez e ela ainda não entendera por que 'eles eram medíocres perto da grandiosidade das coisas', como dizia a caligrafia apressada de Malfoy na carta guardada em seu bolso.

O cheiro salgado penetrava suas narinas a cada inspiração e nuvens de vapor se formavam na frente de seu nariz a cada expiração. Não sabia bem o que pensar. Não sabia se aquela angústia que lhe apertava o coração era raiva, ou nojo, ou ódio. Talvez descrença. Era estranho. Uma vida pulsava em seu ventre e, mesmo assim, ela sentia-se vazia. Triste, quando deveria estar mais feliz do que nunca. Porque ele a amava. Porque pela primeira vez, desde a morte de Rony, ela tinha alguma perspectiva de futuro.

Ela sabia muito bem que Malfoy (ou Draco? Quem era ele em seu coração, no momento?) não quisera dizer metade das coisas que dissera naquela carta. Hermione, assim como ele, sabia bem que pessoas racionais se entregam apenas quando realmente sentem o que sentem. E houve entrega na noite anterior. E em todas as outras vezes.

HALLELUJAH | DramioneOnde histórias criam vida. Descubra agora