15 de Abril
17h23
Nove deveria ser número primo. Divide por três, dá três iguais, três equivalentes, apenas três. Não divide por mais nada – se dividir em dois, não é inteiro. Nove só se divide por três e três é número primo. Não é múltiplo de ninguém, não se aproxima de ninguém.
Fazer a conta de cabeça era fácil demais: nove vezes trezentos e sessenta e cinco. Três mil, duzentos e oitenta e cinco dias. Mas os anos bissextos existiam também, então era três mil, duzentos e oitenta e sete. Com menos três mil, duzentos e oitenta e sete dias, sua vida seria sua vida novamente. Aquilo que ele aprendera a chamar de vida. Aquilo que fora seu, somente seu, e que se esfarelara no ar com o tempo.
Tempo. O filho da puta. É engraçado como ele pode passar rápido demais quando quer, ou se arrastar transformando minutos em anos, veja bem. Em nove anos, Draco tinha a sensação de que vivera três minutos e depois, mais seis eternidades. Cansado. Era difícil admitir que estava perdendo alguma coisa dentro de si, uma espécie de essência, mas era verdade. Era como uma doença tropical que vinha corroendo sua carne por dentro, deixando desenhos em sua pele e em sua alma.
Ao sair de Azkaban definitivamente e entrar pela primeira vez no apartamento pequeno providenciado por Marris e o Ministério, Draco observou as cortinas escuras e pensou que elas se pareciam muito com as de seu quarto na Mansão Malfoy. Havia alguma coisa na boca de seu estômago que fazia com que ele tivesse uma sensação boa de que, de alguma maneira, aquilo tudo iria dar certo. E nessa sensação ele depositara todas as suas (poucas) esperanças e suportara toda a dor, todo o enjoo causado pelas poções inibidoras de magia, e todas as tentativas frustradas de voltar a ser quem era antes. Houve uma injeção de adrenalina no dia em que conheceu Amie – em que sentiu o seu cheiro de roupa limpa e lavanda, em que observou os tons cinzas em seus enormes olhos pela primeira vez, e ele imaginou que poderia suportar mais um dia, mais dois, mais um ano.
E agora ele estava ali. Ali, no local em que a encontrara pela primeira vez, onde a sensação em seu estômago aumentara tantos graus que poderiam ser considerada empolgação. Encarando a pedra que marcava o túmulo de Ronald Weasley, em frente às flores que elas tinham deixado ali na última semana – os cantos das pétalas brancas começando a apodrecer. Seu local sagrado, o local que o fizera suportar as últimas seis eternidades.
Observou a ampulheta entre os dedos. Um reflexo cinzento no ouro frio que marcava a pequena joia. Havia uma velha algumas sepulturas para a direita, vestida de preto. Um buquê exagerado sobre a lápide de seu ente querido, colorido demais para a paisagem de paz cinza e verde, com tons de azul claro pelo céu. Se girasse aquela ampulheta, aquele buquê não estaria ali. Talvez nem a lápide. A de Weasley ainda não estaria.
E era isso que ela queria, não era? Ela dissera, na última noite, o que deixara as coisas mais claras do que nunca. Se ela pudesse mudar alguma coisa, ela mudaria Weasley. Ela o traria de volta. Para estar na água morna do chuveiro, na água fria da chuva, para segurar sua mão enquanto caminhavam pelas calçadas sempre úmidas de Londres. Ou para estar em Whitby, enterrando os pés na areia, beijando-lhe os cabelos salgados e castanhos. Para ser o pai de Amie.
Draco gostaria de sentir raiva de Weasley por isso. De chutar sua lápide, de destruir as flores semimortas, de vandalizar sua memória. De quem sabe, chorar de raiva. De socar aqueles dizeres naquela pedra como socara as paredes de Azkaban há tanto tempo. E o que era mais doentio sobre tudo aquilo era que, desde que deixara a casa de Hermione Granger, às cinco horas da manhã, ele não conseguia sentir nada.
Passou a mão pelos cabelos, deslizando os dedos pelos fios finos, a raiz doendo um pouco ao encontrar um nó no meio do caminho. Um desânimo crescente e agudo em seu peito. O céu cinza e azul acima de sua cabeça, todas as lápides enfileiradas, e os corpos sob elas, alguns ainda frescos, outros já reduzidos à pó. As gotas de chuva infiltrando na terra da grama esverdeada, e a ampulheta entre seus dedos.
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HALLELUJAH | Dramione
FanfictionPara maiores de 18 anos. Fanfic concluída. Talvez haja um Deus lá em cima, mas tudo que eu aprendi com o amor foi como atirar em alguém que te desarmou. Hermione está tentando juntar os pedaços de sua alma, enquanto Draco acha que já não tem mais u...