XIV. Abril

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13.04

—X—

and so, it is. just like you said it would be.

O doze vinha abaixo do vinte e três, à direita de um x. Uma linha abaixo dos números separava a multiplicação de seu produto. A ponta do lápis formou, num traço cinza e claro, o número seis. E então o sete. E o dois novamente.

É. Doze vezes vinte e três era duzentos e setenta e seis. Amie acertara outra vez a multiplicação. Pegou a borracha e apagou a conta feita no canto do caderno – fazia alguns anos que não conseguia fazer uma conta simples como aquela sem um lápis ou uma calculadora na mão.

Ponto para o tempo. Ao concluir Hogwarts, matemática parecia fácil perto de Aritmancia ou Runas Antigas. Agora, saberia identificar um símbolo fora de uso se trombasse com um, mas precisava fazer uma multiplicação no papel. Sua filha provavelmente sabia mais sobre matemática que ela.

Sorriu de leve. Em cinco anos, Amie seria obrigada a fazer essa mesma escolha. A tirar o espaço em sua memória reservado aos números para dar lugar aos feitiços, aos movimentos da varinha. Em cinco anos, Amie receberia a carta de Hogwarts e seria selecionada para uma das quatro casas. A Grifinória, é claro, seria sua primeira opção. Mas não seria de todo o mal se ela caísse na Corvinal.

Fechou o caderno de lições da menina, de repente, e guardou o lápis e a borracha no estojo com rapidez, ignorando – como sempre – aquela voz em sua cabeça que perguntara "E se ela cair na Sonserina?" e a lembrara que o sangue que corria nas veias da filha não era apenas Granger, como indicava o sobrenome, e muito menos Weasley, como indicavam suas mentiras. Hermione anulara aquela possibilidade. Amie não cairia na Sonserina, não havia argumento que sua consciência utilizasse que a convencesse do contrário.

Passou a mão pelo rosto. Parecia que criava uma espécie de obsessão compulsiva com organização toda vez que se lembrava da existência dele, de forma que procurava incessantemente algo para arrumar e assim desviar seus pensamentos. Ao perceber que colocara o lápis com a ponta para o lado contrário à ponta das canetinhas, mudou-o de posição. E então tirou todas as canetinhas do estojo, deixando apenas o lápis e a borracha, recolocando-as em ordem cromática. E ajeitou os cadernos e livros sobre a mesa por ordem de tamanho, a agenda no topo de tudo, encaixada ao lado do estojo. Deus.

Olhou para o relógio de cuco pendurado acima da lareira elétrica. Eram dez e quinze. Amie já estava dormindo há cinqüenta e cinco minutos e ela poderia invejar a filha por causa disso – não conseguia se lembrar da última vez que dormira tão cedo. Tentara, por muitos anos – seis, se procurasse exatidão – mas, após sucessivas falhas, resolvera que era mais fácil ficar acordada até não conseguir mais. Estava acostumada às escolhas mais fáceis e, sinceramente, gostava delas. Doíam menos. Não que a dor não estivesse presente – ela estava, bem lá no fundo, naqueles minutos entre uma risada de Amie e outra, e não dava mais para acreditar que um dia não estaria – mas era pouca. Era melhor assim.

A única coisa realmente complicada era encontrar o que fazer quando a casa estava silenciosa e a rua escura, e ela não sentia sono. Costumava ler. Livros. Evitava aqueles que pareciam contos de fadas e possibilitavam os amores impossíveis. Os preferidos eram os romances policiais – estes a faziam tentar desvendar os mistérios e acabavam preenchendo aquela parte de seu cérebro que costumava estar vazia.

Às vezes, porém, estava inquieta demais para ler. E era nesses momentos que ela ia até o próprio quarto e ficava na ponta dos pés para tatear a prateleira sobre a televisão. O maço e o isqueiro ficavam ali porque Amie não alcançava e não enxergava. Porque ela mesma não alcançava e enxergava, e essa era uma maneira de evitar que fizesse aquilo mais vezes do que devia. Uma maneira de evitar o vício.

HALLELUJAH | DramioneOnde histórias criam vida. Descubra agora