XI. Na cinza das horas

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dentro de um livro, dentro da noite veloz

10h23min.

Passou o indicador pelo contorno da caveira, demorando-se na boca escancarada de onde a serpente saía, ondulando pelo antebraço, até terminar bem no pulso. A cor negra que cobria o azulado de suas veias naquela região em que sua pele era tão fina. Umedeceu os lábios, devagar, sentindo-os secos sob o toque de sua língua.

Quando fizera aquela marca, aos dezesseis anos de idade, sentia-se enjoado. Enjoado com o ardor constante, com a dor intensa que não se contentava em concentrar-se no ponto em que estava marcado, mas que se espalhava por seu braço e seu corpo e sua mente e sua alma. E então, ele acordava no meio da noite, desesperado pela dor, e vomitava por horas seguidas, sem conseguir se levantar, até que a ira do Lord passasse e a dor também fosse embora.

Mas com o tempo, acostumara-se. Não há nada no mundo que não seja adaptável a ponto de não podermos nos acostumar. Acostumara-se com a dor, com a tensão, com o vômito e o enjoo. Acostumara-se em matar, em carregar os corpos, em cheirar o sangue, em morrer. Sim, porque ele poderia morrer a qualquer momento, qualquer segundo, quando a sorte resolvesse parar de acompanhá-lo. Havia poucas coisas no mundo em que Draco realmente acreditava – e a maioria delas era bem concreta – mas um dos conceitos abstratos a quem devia reverências era a tal sorte. Sabia muito bem que fora um homem de sorte, em vários sentidos e vários momentos. Inclusive na relação com as pessoas que o cercavam. Principalmente nisso.

Era o caso de Marris e do tom de voz que ele usara para interromper aquele pequeno minuto de introspecção.

"Gostaria de retirá-la?", o médico perguntou, de repente. Draco ergueu os olhos, o indicador ainda sobre a tatuagem negra em seu braço. Franziu as sobrancelhas claras. Nunca ninguém havia lhe perguntado isso.

"Não", respondeu quase que imediatamente, uma voz sóbria e concentrada. Marris cruzou os dedos grossos sobre a mesa, o anelar esquerdo adornado pela aliança dourada de casamento.

"De escondê-la, então?", ele tentou novamente. Draco desviou o olhar por um instante, observando o mar ondular cinza na paisagem da janela. Contraiu a testa numa expressão ainda mais séria.

"Não", repetiu. Marris deu um sorrisinho, descruzando as mãos para que pudesse anotar alguma coisa no pergaminho em sua frente. Assim como Granger, o médico tomava nota de suas respostas em palavras aleatórias. Draco não era uma pessoa naturalmente curiosa, mas não podia negar que seria interessante fazer um apanhado de todas aquelas palavras um dia e ver se elas realmente analisavam sua psique. Ou seja, lá como chamavam aquilo. "Não é como se houvesse maneira, também, não é mesmo?", perguntou-o, sorrindo com o canto dos lábios.

Assim que o Lord caíra, as marcas-negras pararam de arder ou de esboçar qualquer sensação em seus portadores. Mas, como uma maldição, apareceram nos braços dos mesmos sem nenhuma hipótese de desaparecimento. Muitos dos ex-comensais que viraram pessoas boas e limpas no pós-guerra tentaram, de toda maneira, esconder ou sumir com as tatuagens. Mas era absolutamente impossível. O Lord havia criado algo que ficaria para sempre gravado na pele, que não deixaria que nenhum de seus seguidores fingisse que nunca havia contribuído em sua grandiosidade, nem mesmo após sua morte. Sim, um pouco de megalomania. Mas tinha funcionado e nem os melhores bruxos daquele mundo patético tinham conseguido destruir a Marca.

Ela viveria para sempre.

"Você tem razão", Marris concordou, balançando a cabeça grisalha. Draco esperou que o médico continuasse. "Mas se houvesse um meio, você se utilizaria dele?" "Não".

HALLELUJAH | DramioneOnde histórias criam vida. Descubra agora