Capítulo 01: Cartas para Deus

991 87 95
                                    

Olha, se você estiver lendo essa carta significa que eu morri, eu sinto muito acabar com a clima da história, mas é isso, eu me matei, de várias formas, todos os dias, mas dessa vez foi pra valer.
Eu só queria que você soubesse que......

O despertador tocava, aquele som estridente ressoava pelo cômodo fechando, o sol que agora brilhava fraco entrava pelas janelas irritando meus olhos, um cheiro de café queimado invadia minhas narinas, parecia que naquela manhã tudo me irritava ou incomodava, era um sentimento estranho de apatia.

Era como se algo latejasse aqui dentro, como se fosse um tambor, o coração batia descompassado, sentia um tremor nas mãos, o som de alguém cantarolando no andar de baixo deixava tudo ainda mais estranho. Segunda feira, porque tamanha animação?

Liguei o chuveiro e senti a água cair sobre minhas costas, aquela água quente me trazia um sentimento de conforto, um abraço singelo, o vapor que subia embaçava o vidro do box, meus fios grudados na testa impediam que eu visse com clareza.

Vesti qualquer roupa que fosse, não estava planejando sair ou fazer qualquer tipo de atividade que me obrigasse a uma vestimenta adequada, apenas desci as escadas encontrando minha mãe, seus longos cabelos negros como a noite estavam lindos, seus olhos cor de âmbar brilhavam junto ao sol, tudo naquela mulher parecia majestoso, mesmo suas atitudes deploráveis.

—Até que enfim desceu, sente-se, temos que conversar.

Aquele famoso, "temos que conversar" eu odiava essa frase, por mais que eu não houvesse feito nada, ainda sim sentia uma leve ansiedade pelos acontecimentos que se seguiram.

—Você vai para a NBBS amanhã.

Simples assim, curta e grossa, sem rodeios ou enrolação, sempre bem objetiva.

NBBS, um internato só para Garotos, objetivo deles? Formar homens fortes e dignos, homens que vivem sobre a vontade de Deus.

Amém.

Não esbocei nenhuma reação, estava sem saber o que responder, nunca imaginei que seria assim. Não assim.

—Como assim? Minha escola, porque no NBBS, porque tão longe.

—Olha meu filho, tem coisas que você só vai entender quando for adulto, por enquanto sua única obrigação é não me desobedecer, Deus me mostrou, seu lugar é lá, junto com pessoas como você, homens de Fé.

Para alguns pessoas minha mãe era um exemplo de mulher que vive a vida para Deus. Mas em outras situações, minha mãe é só uma lunática, narcisista e preconceituosa que usa o nome de Deus para maltratar tudo e todos, uma maldita fanática religiosa.

Eu nada disse, não tinha como discutir com aquela mulher, eu apenas comi em silêncio e em silêncio sai, voltei para o meu quarto e ali fiquei.

O quarto estava uma bagunça, havia roupas jogadas no chão, mesa e cadeira, a mala aberta sobre a cama dizia muito ao meu respeito, eu odiava fazer malas, odiava essa ideia idiota, odiava tudo.

As vezes queria ser mais rebelde, talvez fosse mais fácil. Sempre fui muito certinho, nunca tirei uma nota que fosse menor que 9.5, ou tive alguma reclamação de professores, sempre frequentei a missa todos os domingos e tomava aquela maldita ostia todos os meses, sempre frenquentei templos e orei para deuses que minha mãe acreditava, sempre fui o que ela queria, mas nunca fui eu.

Nunca usei algo que gostasse, ou fui em festas, sempre foi o filho perfeito, mas para que? Para ser mandado para um internato religioso no meio do mato a pedido de Deus?

As vezes eu me pergunto o porquê?

Não que eu queria morrer, não é isso, mas as vezes eu gostaria de não ter nascido.

Entre Orações e Pecados -GeminiFourth-Onde histórias criam vida. Descubra agora