Desfecho vespertino

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O peregrino ainda estava debaixo da árvore, descansando o seu corpo arrebentado, quando Gengibre pensou ter ouvido algo à distância.

— Ei. Waffle. Ouviu isso? — era um som interessantíssimo, algo como um rugido muito alto, mas de timbre muito fino, que ressoava longe dali.

— Não ouvi nada. — replicou Waffle, que nem se prestou a tentar.

— Surdo duma figa. — resmungou Gengibre, porque isso sempre acontecia.

Seu insulto foi tão certeiro que Waffle nem chegou a ouvir, mesmo que estivessem literalmente um do lado do outro. Estava mais concentrado no garoto de ossos quebrados, porque notou que ainda estava consciente. Notou também que já era passada a hora do almoço. E da sobremesa.

— O moleque é forte. — acentuou ele.

— E a gente também. — adicionava o outro.

— Uns mais do que os outros. — o homem por fim rebateu, e cruzou os braços com soberba. Gengibre, incomodado com isso, encarou ele de canto, bem ciente do que quis dizer. Waffle abriu um oculto e dentado sorriso.

Na disputa de sarcasmo, este era o seu momento de glória.

Para o peregrino, contudo, nem tanto.

Se ousar levantar-se e reagir contra dois estranhos de máscara, depois de levar algumas surras, fosse pecado, o peregrino seria mais ou menos como a escória da terra. Apesar do corpo doído, dos hematomas e da clara desvantagem de força e número sem nenhuma esperança muito concisa pra se agarrar, o jovem se levantava outra vez, com o queixo erguido. Em parte porque ele nem estava tão acabado quanto parecia.

O seu maior problema, na verdade, era a fome.

Era tolice pensar que o peregrino estava se dando por vencido. Não! Ele tinha a garra, a força e a habilidade para fazer o jogo virar, se pudesse. Mas viajar sozinho, sem nenhum planejamento, suprimento, mantimentos ou balinha mentos, não era uma coisa fácil no fim das contas. Seu corpo era forte, resistente e saudável, mas ainda precisava de comida para dispor de todos esses luxos — coisa que, pelo som que a sua barriga fazia, fraco, como se o estômago já estivesse sem voz, não ia acontecer mesmo.

Waffle resolveu agilizar as coisas ao correr até ele, engatando um soco para vingar seu intervalo de almoço. O peregrino esperou pacientemente até que o homem chegasse, e então ele deteve o soco num rápido contra golpe, enganchando um chute na barriga de Waffle — que recuou poderosamente, num passo para trás, apanhando a solta perna do jovem em pleno ar, e o arremessando na árvore outra vez. Seria lógico dizer que ele estava levando as coisas ainda mais a sério, porque a sobremesa de hoje eram churros.

Quando o peregrino atingiu a árvore, de costas, ele agarrou-se a ela feito uma rã e esperou que o grunhido de investida do Waffle soasse outra vez. Pouco depois, o homem chegou para ataca-lo com tudo, feito um touro, e avançando contra a árvore num rugido — mas o jovem não estava no humor de apenas esperar ser esmagado. Ele armou os pés para um salto, ainda agarrado a arvore, e num ultimato à gravidade pulava contra o homem numa firme investida vertical, acertando-o uma cabeçada pouco abaixo do queixo. O grande homem pendeu para trás, atordoado, mas puxou-se para frente com a força das pernas e as mãos juntas, acertando no garoto um fortíssimo golpe com ambos os punhos.

Conforme o peregrino rolava pelo chão outra vez, arrastado pelo ataque, Gengibre aproximou-se da cena com sua marreta apoiada no ombro e a terrível sensação de estar com a boca seca.

— Isso já está desgastante. — pensou o rapaz. Daí ele apressou-se no passo e chegou ao garoto numa rápida carreira, preparado para um ataque.

O jovem se assustou com a investida. Fazendo uma expressão arregalada, o peregrino armou uma astuta guarda no momento em que Gengibre surgiu sobre ele. O mascarado, então, brandia a marreta num selvagem e baixo golpe — evitando o elmo de sino — e acertou-o direto contra os braços, que no improviso armavam uma guarda cruzada. O ataque do mascarado foi poderoso o suficiente para cravar os pés do garoto no chão, empurrando-o com toda a força enquanto o peregrino resistia persistentemente com os braços. Seus esforços realmente colocavam à prova a força que ainda lhe tinha restado, mas isso não era suficiente se tratando de uma batalha contra dois.

Momento Mellowick - A Grande Expedição para a Ilha de Goa.Onde histórias criam vida. Descubra agora