Brasa

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Em algum lugar da densa mata de Goa, distante de tudo oque conhecíamos até agora; o ar cheirava a enxofre. O vento, carregado por cinzas e o cheiro amargo do queimado, percorria por entre as árvores de um cenário quieto e fosco — em que o sombrio soprar era a única coisa audível, além dos estalos das chamas. Um pequeno incêndio, por lá, estava aceso.

Incendio, pelo menos, é como a maioria se arriscaria a chama-lo.

Um fogo esquisito e lento corria na grama de uma pequena clareira, onde tocos de árvores mortas definhavam numa queima murcha e assustadora, como enormes cabeças de fósforo. Ao redor do espaço, um traço escuro, em preto carvão, circulava toda a área, a separando do resto. O fogo estava preso, e não corria para fora do traço. Contudo conseguia sim se espalhar com o vento e, por isso, algumas árvores ainda incendiavam-se do lado de fora. Uma labareda, também, trancava a saída do círculo como uma cortina alta e espectral, logo à frente do traço negro. A clareira não estava ali antes. Tinha sido aberta pelo fogo e, agora, era do seu domínio.

Mas, ainda sim, havia gente bem ali, no meio das chamas.

Três pessoas caídas. Mas outra de pé; virada de costas para os outros. Ela coçava os cabelos dentro de uma labareda que emergia do chão, em uma posição ereta e confiante, porque era inalvejável às chamas. Já as outras três gemiam de dor, agonizando no fogo. Tossiam com as gargantas mais secas que um deserto, e com muita dificuldade rastejavam pelo chão incinerado, tentando se levantar — com as mãos assando e os olhos ardendo.

Só um dos três pôde se erguer na clareira infernal.

Era um homem. Apontava, desesperadamente, um único (e familiar) revolver para o quieto indivíduo piromântico — cujo rosto, se observado com muita atenção, exibia um terrível sorriso chamuscado. De repente, um som esquisito, como o rastejar de cobras, intensificou-se no ar; porque algo se movimentava, bem lentamente, pelo chão. Eram pequenos seres, parecidos com lesmas, que tinham uma coloração vulcânica e incandescente — como lâmpadas de lava. Pareciam pesar muito, e seus caminhos eram oque derretia e incinerava a superfície, espalhando o fogo.

— Aonde... Aonde pensa que está indo?! — exclamou o homem de pé, com uma voz carregada. — Volte aqui, seu desgraçado! Volte já aqui!

A sombra piromântica o olhou por trás dos ombros.

— Por que? — perguntou. — Já é o bastante, para mim.

NÃO! NÃO É! — rebatia o homem. — Isto aqui não é um jogo, e não vou deixar ninguém nos humilhar desse jeito! — o sujeito continuava bravamente. Seu revólver, mirado, tremia como uma britadeira, mas sem nunca tombar do alvo. — Aja como homem! Volte aqui e acabe comigo!

— Ah bem... É que isso não é do meu feitio, sabe? — explicou a outra pessoa. — Além disso, a oportunidade é única. Estou deixando vocês em paz.

— Você já liquidou os meus companheiros.

— Eu não estava mirando neles.

O homem grunhiu um palavrão e pisou nas cinzas, enfurecido. Seu cabelo emaranhado, cujo algumas mechas pegavam fogo, apagou-se no mesmo instante, e ele firmou seu revolver com uma pegada de touro, parando a tremedeira.

Aquele cabelo, a potente arma e a sua barbicha, que balançava no vento, entregavam que o homem se tratava de Tuta. Passageiro do Piston-Pucker e inimigo formalmente "jurado" de Martin. Então este disse:

É POR ISSO MESMO QUE EU NÃO POSSO TE DEIXAR IR!

Um silêncio tomou conta, e a labareda que cobria o piromântico sumiu.

Momento Mellowick - A Grande Expedição para a Ilha de Goa.Onde histórias criam vida. Descubra agora