Emboscada fermentada

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O fervoroso embate entre Martin, Clara e Cookie seguia ininterrupto. Era com o desgovernado galo se aproximando de uma barragem de troncos — numa investida violenta que antecipava desastre —, que ambas as figuras, em disposição inabalável, seguiam tripudiando entre as penas num confronto energético, ágil e saltitante na afofada arena branca. Martin, que estava com a paciência zerada, atacava ansioso e constante com saltos, cortes e aparos com a palma das mãos, com as quais tentava, a todo e qualquer custo, reaver o grande carretel que Cookie segurava, estampando no rosto um perverso sorriso — enquanto esquivava ao aparar os golpes, agachar-se ágil e saltar alto feito uma lebre pelos cantos da arena. A sua postura evasiva superava, em muito, as suas antigas tentativas de ataque, e por mais rápido que fosse Martin ele mal conseguia alcança-la em seus acertos. Já com Clara rendida indefesa, encolhida num canto seguro e pagando de espectadora assustada, o rumo deste duelo tornava-se estanque ao que a inevitável colisão erguia-se alto à frente — como a encosta de uma enorme lápide de madeira.

— "AI, MEU PAI! A GENTE VAI SE ESBURRACHAR!" — Clara havia, compreensivelmente, gritado, recepcionando-nos de calorosa forma no seu estado de espírito do momento. — FAZ ALGUMA COISA, MARTIN!

— Eu tô tentando, droga! — Martin resmungou alto, e partiu numa atroz estocada de passo veloz, esquivada por Cookie num desvio ágil e esguio como um arco. — Ah, porcaria! Oque há com a leveza desse corpo? — então exclamava ele, aborrecido, cerrando seu punho e crescendo cada vez mais ansioso. — Será que você não sabe fazer outra coisa senão se esquivar?

— Humphf. Não há nada de errado com o meu corpo. — respondia Cookie, ludicamente ácida e trocando o carretel de mãos como se brincasse de malabarismo. Então, ela fechou seu sorriso e lançou ao rapaz um olhar frio e sério por um segundo, como se o estivesse julgando. "São os seus golpes que não estão alcançando, não são?" — denotava em voz alta.

— Se alcançassem, você seria uma peneira humana agora! — dizia ele.

— Ó! É mesmo? — replicou ela, em chacota — Então por que você não se apressa com seu pequeno artesanato?

— Oque?

— Oras, se eu me tornar uma "peneira humana", então você terá o seu carretel de volta, não estou certa? — sugeria a figura — Agora a pouco, você chegou muito perto de me cortar, mas a "leveza" do meu corpo parece ter se tornado um problema depois "daquilo". O jeito com o qual você brande essa espada também está esquisito. Por que é que fica mirando as minhas mãos, se antes estava indo pelo pescoço? Ficou bonzinho de repente?

— Ah, cala essa boca! — exclamava o rapaz, cerrando os punhos com uma expressão desconcertada — Oque você quer espremer de mim? Que eu não sou o tipo de cara que corta uma garota magrela no meio?

— Espremer? — retomava Cookie — Não precisa. Está escrito na sua testa! — indagou a atrevida figura, e, sem qualquer suspicácia do que havia dito, apossou-se, de repente, de uma postura doce, vulnerável e sem uma mínima guarda erguida, indo então à direção do rapaz. Martin pareceu ainda mais desconcertado. Ele a encarou chegar em passo leve, entrando no alcance da rapieira de braços abertos como se pedisse por um golpe fatal. Mas, mesmo assim... Ele não o entregou! Via a sua oponente bem ali, vulnerável dos pés à cabeça e abusando de sua sorte, mas, ao olhar sua silhueta e saber de quem se tratava, ele não pôde entrega-lo. Não entregou porque, por mais clichê que fosse! — Martin não era o tipo de homem que bateria numa mulher, ou, pior ainda, do tipo que a rasgaria com uma lâmina. Ele era um rapaz gentil, e, crescendo ao lado de cinco irmãs menores, sempre fora ensinado a não machucar as senhoritas, por pior que elas fossem, e por mais que elas escondessem suas meias, usassem os seus lençóis de toalha e derrubassem leite fervente nas suas costas em todos os cafés da manhã em família. Frente a Cookie, ele sabia que não poderia fazer nada tão violento, mas, como um aviso discreto, ergueu sua rapieira alta e num agressivo estilo, levando o gume ao pescoço da garota num blefe temeroso, mas que não a surpreendeu muito.

Momento Mellowick - A Grande Expedição para a Ilha de Goa.Onde histórias criam vida. Descubra agora