Pausa para o lanche

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Para a alegria de todo mundo, a tardezinha de Goa finalmente estava entre nós — fechando o dia com uma tranquilidade invejada pelos céus. Era com tal preocupação, igualada à de um crocodilo gordo, que as nossas figuras aproveitavam do quente descanso vespertino, com classe; desengonçadamente deitadas nas costas do réptil cor de rosa que, por sinal, os transportava em sua viagem. Que era conduzida pelo mago, é claro.

Estavam numa longa trilha repleta de gravetos, que cruzava um folheado e úmido bosque de árvores compridas; possuidoras de galhadas muito finas e emaranhadas, que desprendiam gravetos e lascas com muita facilidade, especialmente quando lhe pousavam um ou dois pássaros de peso considerável. Dezenas de pares de aves, de espécies que poucos conheciam, iam acumulando-se nos galhos como transeuntes curiosos. Olhavam fixamente para o caminhar da grande salamandra, com atenção, mas sem nunca tirar os olhos da pessoa de Hermes: o condutor misteriosamente quieto que não tinha oferecido balinhas de hortelã a ninguém até agora.

Para dizer a verdade, era fato que Hermes não havia dito nada até agora. Ele apenas conduzia a criatura, em silêncio, carregando as figuras nas costas do bicho e alimentando (propositalmente?) a curiosidade angustiante de estarem diante de um sujeito (auto?) intitulado de "Mago Branco", só porque isso soava como algum título de honra ou coisa assim. Contudo, nenhum dos seus passageiros estava remotamente ciente do que eram magos, ou pro que eles serviam, ou oque o "branco" queria dizer, ou por que ele vestia um chapéu maior do que a cabeça e tinha um cabelo angelicamente estereotipado. Mas nada disso queria dizer que não estavam curiosos.

O importante mesmo é que Hermes não era inimigo. Mesmo que ele não parecesse um amigo, também. Porque essas pessoas são complicadas. O interessante desta indiferença, no entanto, é como o mago parecia estar fornecendo algum tipo de serviço; evidenciado por sua fala "em operação" de mais cedo. Oque era legal. Mesmo que seus serviços não fossem muito claros. Ou que, pelo menos, tivessem sido requisitados em primeiro lugar.

Lá atrás do bicho, Martin repousava num profundo estado de raciocínio, tentando fazer sentido de tudo aquilo que tinha acontecido desde que ele acordou com a língua cheia de areia, naquela manhã. Ele tinha algumas hipóteses muito boas (que estavam erradas), mas algo o estava impedindo de manter a concentração. Era a presença de Hermes ali. Isso, é porque Martin não era igual à Tim. Ele não podia, simplesmente, não se preocupar nem um pouco com uma presença nova, suspeita e silenciosa; não depois de o terem tentado matar umas cinco vezes consecutivas, no mesmo dia. Seja qual fosse o motivo, Martin já tinha captado a mensagem de que aquela ilha estava repleta de inimigos. Por isso, uma presença "amigável" o cheirava tão bem como doces debaixo duma caixa erguida por um graveto.

Era só isso. Isso e o fato dele NÃO ter ido com a cara dele. Mas só.

— Escuta. — começou o rapaz, pronto para outra interrogação inconveniente. — Oque é que você está... — ele continuava, com força na voz, quando Tim o interrompeu sem querer, falando mais alto.

— Então você disse que é um mago! Isso é verdade? — dizia.

— Definitivamente. — replicou Hermes.

— Oooh! Que incrível! Já ouvi falar desse tipo de coisa. Magos! São tipo uns ermitões que estudam mágica, e vêm de uma terra distante e gelada, para resolver os problemas mágicos das pessoas. Como o papai Joel!

Hermes não disse nada, porque estava tentando perceber se aquela comparação fazia algum sentido.

— Diga. — continuou Tim. — Como foi que você chegou até aqui? Ouvi dizer que os magos vivem num lugar muito distante. Em Highland. Isto é ainda mais longe daqui do que o lugar onde eu vivo. Foi algum tipo de truque?

Momento Mellowick - A Grande Expedição para a Ilha de Goa.Onde histórias criam vida. Descubra agora