Capítulo 3 - Desabafo

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Eram 7h quando Yibo desceu as escadas para tomar o café da manhã. Zhan já estava na lida da fazenda. Yibo não sabia, mas o primo levantava todos os dias às 5h da manhã.

Assim que ele colocou os pés para fora da casa, Zhan não parou de lhe dar ordens. E isso se repetiu por uma semana.

- Você não acha que está... Exagerando? - Lia falava com uma xícara de chá na mão enquanto fitava Yibo cortando feixes e mais feixes de lenha do lado de fora.

- Por quê? Estou seguindo o testamento. Ele precisa trabalhar na fazenda. Se ele não aguentar, é só pegar as malas e ir embora.

Lia tinha uma boa percepção de que era isso que seu melhor amigo esperava que Yibo fizesse. Contudo, o garoto de regata, jeans rasgado, tênis e um cabelo que agora estava com as raízes escuras, não parecia ser do tipo que desiste fácil. Ela se perguntava se Zhan também tinha percebido isso e se negava a admitir.

- Zhan, você já chorou?

- Eu não tive tempo para chorar, Lia. Eu preciso seguir com a produção e venda dos queijos para manter a mim, os animais, o pagamento do Yen e dos outros funcionários, do Yibo, inclusive. E já que meu priminho está aqui para ajudar, posso muito bem aproveitar a mão de obra.

Zhan também fitou Yibo com um sorriso de lado. Ele disse que iria fazer o bastardo trabalhar muito e estava cumprindo.

Lia puxou seu braço antes que ele se afastasse e o encarou.

- Diga que você sabe que você também é filho dele, por favor. - os olhos negros dela estavam repletos de medo e preocupação. - Diga que sabe que seu tio te amava mais que tudo no mundo! - Ele tinha entendido, mas não era algo que ele quisesse pensar. O fazendeiro deu um aceno breve e saiu porta afora.

Lia saiu da cozinha e foi em direção a Yibo que fazia um esforço notável ao cortar as lenhas. Ele estava encharcado de suor e visivelmente cansado.

- Sabe, você não precisa cortar tudo de uma vez.

Yibo olhou para cima e observou novamente a moça belíssima e de sorriso doce que ele tinha visto quase todos os dias desde que chegou. Lia geralmente aparecia na fazenda com a filha. Às vezes, ela vinha sozinha. Nunca ficava muito. Ao mais novo, parecia que ela estava ali para se certificar de que Zhan estava bem. Ele pensava se a razão da preocupação era a chegada de Yibo... Ou se a relação dos dois era mais complexa.

Lia tinha um copo de água estendido e ele não poderia ser mais grato. Yibo tomou em um só fôlego, meneou a cabeça em agradecimento e se preparou para cortar o restante da lenha.

- Ah, entendi. Você é calado, bonito e... Gosta de se meter em brigas de bar?

Yibo parou seus movimentos. O advogado deve ter comentado que essa tinha sido a razão dele ter sido preso. Zhan não falava direito com ele e esse assunto nem tinha virado tópico de conversa. O diálogo com o mais velho se resumia a: "Onde posso colocar esses sacos?", "O que você quer que eu faça depois?" e variações disso.

Lia não se intimidou e esperou por uma resposta com os braços cruzados.

- Eu não gosto. Eu só precisei fazer. - Ele voltou a pegar as lenhas cortadas para reunir na pilha correta. Yibo não gostava de lembrar dessa história, mas também não poderia ser rude com Lia. Primeiro porque ela não merecia, segundo porque tinha bastante certeza que seu primo o odiaria ainda mais.

- Por quê? Alguém ofendeu você?

- Ofenderam alguém que eu gostava e eu perdi a cabeça. Satisfeita?

Lia deu um sorriso fraco. Ela se lembrou das inúmeras brigas que Zhan havia se metido por causa dela desde que eram crianças. Ser uma mulher negra em seu país de origem, o Brasil, teria sido difícil. Ser estrangeira, mulher e negra na China não era nada melhor. Para cada insulto aberto ou velado, Zhan tinha uma resposta pronta e o dedo em riste para quem quer que fosse. Ela esperava que Yibo estivesse disposto a descobrir que ele e o primo pareciam ter muito em comum.

Lentamente - YizhanOnde histórias criam vida. Descubra agora