"Tudo aquilo que não enfrentamos em vida acaba se tornando o nosso destino."
— Carl Jung
É estranho estar aqui, onde jurei nunca mais voltar. É tão absurdo, uma loucura total olhar para ela assim ainda tão linda e tão diferente; no lugar do rabo de cavalo firme agora há um coque bagunçado que pende de lado, prestes a desabar. A camiseta é tão larga que a cada movimento parece que vai escorregar pelos ombros e cair e claro, diferente do uniforme justo e bem disposto no seu corpo escultural e as tatuagens.
— Sua roupa estará pronta daqui a pouco, fique a vontade enquanto espera — ela se jogando no sofá mais próximo, enquanto continuo paralisada, tento disfarçar meu desconforto olhando novamente ao redor, porque essa essa garota é tão diferente da minha? Porque nunca em mil anos isso estaria acontecendo antes, Maya confia muito em si própria, mas nem tanto nos outros e me trazer aqui assim, beira quase que a irresponsabilidade, mas ela ainda parece tão despreocupada e serena, procuro me distrair percebendo agora que tudo aqui costumava ser mais cheio, agora parece tudo meio vazio e principalmente se pensar que há uma criança na casa, paro em frente a uma prateleira onde estão organizados livros e gramáticas.
— Onde está o resto de suas coisas? pergunto apontando um dedo para algumas partes que estão limpas
— Não tenho resto.
— Você só tem isso? Aponto para as poucas coisas ali, livros e fotos. Vou até as fotos quando ela não respondeu, mas, pelo sorriso, aquilo é tudo que possui. Ela divide sua atenção entre me observar e mexe no cabelo do menino, quando pego uma das fotos na mão é uma que ela está grávida entre três caras de gravata e uma mulher ruiva, ela sorrir lindamente para um cara loiro que mantêm a mão em sua barriga enquanto sorri para ela, tenho uma forte sensação ruim sobre quem seria esse. A confirmação vez na pequena voz que se faz presente
— É meu pai, meu nada estranho tio Louis, meu tio avô Harvey, minha tia avó Donna. Maya bufou uma risada dizendo — Não os deixe ouvir você falando isso. E Louis não é estranho, você só é tão implicante quando o seu tio Harvey. O menino lhe dá um largo sorriso e ela levanta e tentando puxá - lo, mas ele foge de seu alcance correndo até mim e se batendo novamente em minhas pernas, dessa vez sou rápida o suficiente para segurá - lo com uma mão enquanto ele tentar me escalar para fugir de sua mãe, não sei o dá em mim, mas o pego no colo enquanto ela cutuca as costa dele que se encolhe e enfiar o rosto no meu pescoço com risinhos, o tendo ali abraçando meu pescoço não sei o que fazer a não ser tentar protegê - lo de seu ataque, com certeza não me recordava do som sincero da risada dela
— Essa é a minha pequena família de Nova Iorque, quando eu sofri o acidente eles me acolheram, me amam e fizeram de mim quem eu sou hoje. Ela tira o porta retrato da minha mão e o colocar novamente em seu lugar, antes de pegar outro, agora das pessoas da estação 19 — E essa é a minha família daqui, dizem que eu costumava ser bombeira antes, mas isso não faz muito sentido para mim... — e lá se vai novamente aquele riso infantil e travesso — Eles se ressentem por isso, são eles quem mais sofrem por meu acidente
Não me contenho — Eles... Eles e não você? — ela morde o lábio de um jeito que atrai toda minha atenção para aquela parte em particular enquanto pensa no que falar e eu fico totalmente petrificada olhando pra ela lembrando de todas as vezes que mordi ali — Acho que é porque eles perderam alguém, enquanto eu estou apenas ganhando eles. Acho que é difícil lidar com alguém que não lembra de você e não poder falar sobre isso porque eu não quero saber, não quero ouvir nada sobre isso. Passei tempo demais pensando nisso e a verdade é que não gosto que eu era e essa é minha condição para tê - los agora na minha vida. Eles entendem isso, acho que por isso sofrem. Por isso também há tanta dor em seu rosto cada vez que você me olha e eu não te reconheço
Pensando na expressão que vi no rosto de Andy quando conversamos e como Maya está certa. Eles certamente ainda sofrem por isso, quase deixo passar sua última sentença, meu coração acelera e sinto sua pulsação forte em mim, meu sangue escorre e gela enquanto ela me encara, e o ar no corredor encorpa. Não sei no que pensar, tudo que sei é que ela sabe, ela certamente sabe e agora me vejo presa abrindo e fechando a boca, como um maldito peixinho presa em pequeno aquário. Ela sabe. Não posso estar no mesmo lugar onde estão seus pensamentos e tenho a sensação de que ela é onipresente. Que está em todos os lugares, o tempo todo. No momento ela está bem na minha frente, ao meu lado e atrás de mim.
— Por que diz isso? Gaguejo com minha voz tremendo que nem de uma criança que foi pega em flagrante fazendo uma coisa muito errada, me viro levando o garoto de volta para o sofá, faço uma careta que ela não pode ver e tento pensar de forma racional e lógica. Ela não se lembra de mim, ela não se lembra. Mas de alguma forma ela sabe e não sei se isso é bom ou ruim, devo falar pra ela? Mas como posso fazer isso depois que ela acabou de dizer que não quer saber de nada do seu passado, que não gosto de quem ela era no passado, o que isso quer dizer pra mim?
Chacoalho a cabeça colocando o menino de volta aos seus brinquedos no tapete tentando convencer o meu coração a bater menos exasperado, mas ao me virar Maya está a centímetros de mim. Seus olhos estão tão perto que vejo os tracejados da sua íris e antes que consiga escapar seus dedos se entrelaçam aos meus, me puxando para realmente sentar no sofá com ela. No mesmo instante em nossas mãos se tocam calor desagradável sobe como uma serpente pelo meu pescoço, mas ela não nota porque segue na frente, me puxando como se fossemos jovens livres e despreocupados. Bem, talvez agora ela seja.
— Desculpe — ela corta o silêncio. — Não deveria ter mencionado que notei isso, porque fico feliz que você não esteja despejando nada em mim, prefiro assim porque assim você pode conhecer a mim ou pelo menos meu novo eu, sei lá. Ela divaga me olhando apreensiva — Desculpe, eu te peguei lá num foi?
Ainda estou paralisada, faça alguma coisa Carina, fala alguma coisa sua idiota meu subconsciente berra comigo, solto o ar preso no peito e tomo coragem — Não vou falar nada. Não se preocupe. Eu.. Eu... eu...
— Estar tudo bem — ela promete empurrando distraída meu ombro de modo brincalhão. — Eu imagino como essas coisas doem... O que está feito, está feito. Amigas agora? — ela me estende uma mão que seguro nem sequer pensando nas implicações disso, mas de alguma forma ela sorrir e isso me faz sorrir, olho para o menino que agora nos olha e com um grande sorriso no rosto me chama para brincar, uso a brecha para uma pausa para minha mente fervendo e meus nervos em frangalhos.
Ela não sabe como dói.
Lembrar do fim, de anos atrás, ainda dói. Estar novamente à sua frente dói. Mas se tem uma coisa da qual ela não tem culpa, é de estar sob o mesmo teto que eu, me causando mais dor. Fui eu quem perseguiu e veio até aqui; eu levo a culpa por essa decisão. De todo o resto, no entanto, a culpa é sua.
Depois de algum tempo, ela sai e volta com minhas roupas limpas e secas agora, me troco no banheiro e estou pronta para dar o fora daqui, na verdade eu preciso dar o fora o mais rápido que posso, mas ainda há algo me incomodando em tudo, não consigo evitar mais e pergunto por pura curiosidade. — Não teve medo de me trazer aqui? Com seu filho? Quero dizer que você não lembra de mim e eu poderia ser uma maluca, ou um depravada.
Ela rir enquanto ajeita a blusa no ombro, que desliza para baixo outra vez.
— Não. Gostei imediatamente de você.
— Por quê? — Como ela pode dizer isso?
Ela dá de ombros. Não faz ideia e eu não entendo aquela simpatia imediata por mim, pois acredito que ela não se lembre de um único fato mim ou sobre nós. O corpo não deveria nos advertir para algo assim, como faz com as aranhas, por exemplo? Não olhamos para aranhas e gostamos delas. Chame de sobrevivência, autopreservação, herança de um inconsciente coletivo, sei lá. Não está na nossa constituição gostar do que tem o poder de nos fazer mal.
— Alguma coisa em mim disse: goste dela. Ela elaborou sua resposta assim e isso realmente me fez sorrir com a alma porque ficou bastante claro que essa Maya é realmente um problema, só que maior ainda.
Depois de despedir do menino e dela, e contando o minutos para vê - los novamente enquanto também sinto enorme temor quanto a isso, ando todo o caminho de volta até encontrar meu carro, faço uma longa volta no bairro só para passar em frente a sua porta, olhando a janela pensando em tudo o que aconteceu hoje. O coração é um canteiro de obras, marteladas e britadeiras para todo lado. Ah Carina, o que você vai fazer agora?
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A Última Parte
FanfictionUma ascendeu na carreira, mudou de cidade e país, e acredita ter deixado os fantasmas para trás. A outra teve que aprender a viver sem suas memórias, inteiramente apagadas por um acidente quase fatal e florescer na vida e com as responsabilidades qu...