Capítulo 3 - A Primeira Peça

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                                             "Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?" — Clarice Lispector


Ora, ora, se não é uma gatinha dentro de um aquário.

Uma gatinha jovem, na casa dos trinta. Uns trinta e poucos? Talvez nem isso. M.D., F.A.C.O.G., diz no jaleco dela, nunca a vi no hospital, se bem que é um local enorme, então não seria nada absurdo. Cabelo bem aparado envolve um rosto bonito, e sob ela vejo uma boca bem desenhada. Pele rosada como se estivesse quente ao redor; olhos doces, grandes e íntimos. Quase familiares. Que me encararam como se visse um fantasma digo bom dia, mas ela não me responde. Sigo meu caminho, afinal, eu tenho muito a fazer, mas posso senti - la ainda me olhando, um mundo de pessoas estranhas.

Meu dia segue o fluxo até a tarde, quando finalmente vejo que é hora de retornar ao hospital, agora irei descobrir o que está acontecendo comigo e porque tenho dito tantas dores de cabeça, quando estive no hospital mais cedo e falei com a Dra. Shepherd, ela me disse que não era nada, apenas o peso das responsabilidades caindo sobre meus ombros, que tinha muitas preocupações e que possivelmente precisaria de um oftalmologista por consequência do trabalho, mas ela era gentil, mas não me conhece, eu costumava ser bombeira e correr riscos e assumir responsabilidades não é um problema, ela não sabe o que aconteceu comigo e tudo que passei até chegar aqui e por isso que estou retornando agora para o Tom, quero dizer o Dr. Koracick. Ele sim poderá me dizer o que está acontecendo comigo. Ele sabe de tudo, é bom e confiável.

Olho meu smartwatch, ainda tenho pelo menos uns 45 minutos antes de poder encontrar meu médico, por isso decidi fazer um lanche, qualquer comida de hospital é horrível, mas já que estou aqui posso pegar algo ruim para comer enquanto faço um verificação de chuva saber como as coisas estão indo sem mim por perto, eles sempre tendem a exagerar quando não estou perto. É com esse pensamento em mente que não vi até estivesse sentada de frente para ela, a dra. Gatinha dentro do aquário que está a praticamente há uns seis passos de mim em outra mesa.

Qual seria o significado daquela linha entre suas sobrancelhas? Aflitivo. Também é o rosto crispado que me encara como se estivesse sendo torturada, olho para atrás em buscar que algo que não está lá e para ter certeza que ela realmente está me encarando novamente, quando volto a olhar para ela a vejo levantar e caminhar até mim

— Posso? Ela aponta para cadeira, balanço a cabeça que sim enquanto digo por favor, o que a faz estreitar os olhos para mim e senta no local indicado e por um tempo sou observada como se fosse de uma outra espécie. Sorrio sem jeito, olhando seu jaleco e seu nome no crachá ali pendurado, Dra. Carina DeLuca e seu contorno contra a claridade. Esse é um sobrenome italiano não é? Conheço tipos como o dela: jovens, dinâmicas e bonitas. Não o tipo de beleza que para o trânsito, mas o tipo que demora algum tempo para assentar. Que quando assenta, rouba o chão. O meu tipo.

Seus dedos das mãos tamborilam contra a mesa em um ritmo constante, acompanhando o ritmo estranho que embala o coração.

— Você... está bem? pergunto. Limpo a boca. Não me olhei no espelho, mas como estava comendo um pastel agora esquecido na minha frente. Do que era mesmo o pastel? Tomate? Achava que estava bem até um minuto atrás, agora não sei mais. Talvez seja isso, né?

— Sim — ela respondi simples enquanto sua a análise continua, como se ela reconhecesse minha inquietação ou apenas me reconhecesse. A menos que seja de Nova Iorque ou tenha assuntos a tratar no centro de recuperação de lesões cognitivas, não acho que saberia quem eu sou, Frajola.

— Como... você está? — ela pergunta. Sua voz tem aquele conjunto de qualidades que faz a pele arrepiar, seu sotaque causa nos meus órgãos internos é um ultraje.

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