Capítulo 11 - A peça é ELA

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"Os meus dias de ontem caminham comigo. Eles mantêm o passo, são os rostos cinzentos que espreitam por cima do meu ombro." — William Golding


Naquela noite não durmo e nem em nenhuma outra nos próximos dias, tudo é demais a cabeça tenta achar encruzilhadas no passado, momentos decisivos que, se mudados, poderiam ter nos levado a destinos diferentes. Viro e reviro todas as noites de lado no travesseiro, retornando ao minuto em que tudo mudou: No hospital com um nariz ou no bar com whisky, foi lá que a vi de perto e me deparei com os olhos mais azuis do mundo. Foi ali. Naquele dia. O marco zero da minha obsessão.

Conclui depois de vários dias que se pudesse voltar no tempo teria mudado não o dia que decidi voltar para para a Itália, mas sim quando tudo foi abaixo, não esse dia, sim, um muito antes, quando perguntei se poderia lhe dar uma bebida no Joe. Aquela é a minha encruzilhada. Se a vida me desse outra chance, eu teria passado direto, daria meia volta e apenas pegaria uma taça de vinho em casa mesmo.

Fecho os olhos suavemente toda vez que penso nela, contornando seus traços. Eu a amei...

Mais do que minha própria vida, eu sei disso. Agora eu sei disso.

Mas e você, Maya, me amava?

Eu ainda não sei bem o que aconteceu com a gente, se foi sua obsessão com o trabalho ou minha obsessão por você... Não é justo, eu quis tanto, você, eu e um pouco mais de nós e enquanto você não, mas agora você o tem com outra pessoa. Será que foi porque você já tinha tudo que queria ou se foi porque eu queria mais. Tudo que sei é que éramos felizes até não sermos mais.

Sete anos atrás eu e Maya éramos peças de um jogo de dominó. Ela era a peça que vinha na frente. Meu norte, a catalisadora de toda mudança. Eu vinha logo atrás, e cada aspecto da vida, tanto da minha quanto da dela, vinha em seguida. Cada aspecto, uma peça. Todas juntas, coladas uma à outra. Um evento colocou tudo abaixo, e desde então tenho tentado me reerguer sem sucesso dos escombros.

Em algumas noites não durmo, em outras acabo pegando no sono em algum momento, sempre acordo terrivelmente mal depois e chegando todos os dias à mesma conclusão certeira que era hora de levantar, mas só vou conseguir ficar de pé se finalmente levantar a primeira peça de cima dos meus ombros... E essa peça é ela.

Ela ainda é a maldita peça que falta e eu continuo apaixonada; incondicionalmente, irrecuperavelmente rendida.

Depois todos esses fatídicos momentos de epifania que me fazem entrar sempre na mesma premissa robótica de tudo que tenho que fazer, do que posso fazer e do que quero fazer. Uma coisa sempre contradiz a outra em quase todos os aspectos possíveis, por que como poderia correr para ela como uma criança que foge dos monstros se escondendo embaixo da coberta? Vê? Não é viável, não é saudável e além disso, é completamente errado, os monstros ainda me pegariam ali. Sem falar que ainda não estou totalmente convencida de que ela não é o meu monstro. Um monstro lindo, loiro de olhos azuis e que ainda por cima tem sua própria versão pocket.

Sem ter muito o que fazer, meus dias se passam lentamente e dolorosamente para alimentar ainda mais a minha aflição meu trabalho que era uma enorme fonte de inspiração e dispersão se tornou quase uma tortura, ando pelos corredores do hospital caçando algo que simplesmente não está ali, qualquer vislumbre de cabelos loiros faz que meu coração dispare, cada chegada de um veiculo de emergência torna minha boca seca e começo a correr a toda velocidade para meu escritório, as coisas se mantem assim por algum tempo, mas obvio, é claro que nunca fui alguém sortuda e quase duas semanas depois fui bipada para a chegada de uma emergência apenas para ser saudade por ninguém menos que Andy e Jack. Enquanto o tenente sorri amigavelmente para mim enquanto explica a ocorrência, a latina faz questão de manter os olhos afastados, fixos na pobre mulher grávida e queimada na maca, felizmente o momento não propício para um bate papo, fico contente com isso até ir para casa no final do dia e dá de cara com Andy sentada na frente na dela.

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