Capítulo 10 - Estrela de todo Barco Errante

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"O acaso é o pseudônimo que Deus usa quando não quer assinar suas obras." — Theophile Gautier


Depois que saí da casa de Maya, procurei um bar para tentar colocar a cabeça no lugar ou melhor, nem qualquer outro que não seja nela. Serviria qualquer bar, mas tive a infeliz ideia de ir justamente ao bar do Joe, em frente ao hospital, ponto de encontro de praticamente todos que conheço e daqueles que gostariam de não me conhecer, leva algum tempo, uma ou duas garrafas inteiras de vinho para que realmente pudesse notar - los numa mesa no canto me olhando desconfiados, apenas Jack não estava entre eles quando os vi, mas chegou depois e me olhou com pena, ponderando de vinha até mim ou também me ignoraria. Ele fez menção de seguir caminho até os demais, mas deu meia volta ao chegar bem perto deles e veio direto para mim, parando ao meu lado me olhando

Dannazione, cosa vuole questo idiota?

— O que você quer Gibson? — Me adianto querendo me livrar dele o mais rápido possível e ele franze o rosto e ri, constatando o óbvio; não estou sóbria.

— Você esteve com a Maya e o Noah hoje — E pelo visto ele também já que sabe disso — Tô vindo de lá agora, Noah me contou... ele volta a rir antes de dizer — Maya diz que ele é um mini fofoqueiro. Isso me faz rir que consigo visualizar ela dizendo tal coisa — Ele é incrível não é? ele pergunta quase como o pai orgulhoso e isso me faz encarar ele — Ela é muito diferente agora, sei lá, ainda é a Maya de sempre... Só que melhor.

Seja para onde for essa conversa, não estou com um bom pressentimento e isso me deixa sóbria e sombria rapidamente — O que você quer Jack? Sou pega de surpresa quando ele diz — Nada realmente... Eu só queria saber se você está bem? Tipo, quero dizer com tudo isso, por experiência própria eu sei que não é fácil — Ele divaga enquanto me pego pensando novamente sobre tudo porque sei o que fiz foi loucura, é suicídio programado. Essa história não vai acabar sem vítima, ambulância na porta ou paramédicos com ressuscitadores nas mãos. Um de nós vai quebrar, e esse alguém vai ser eu. É meu coração que vai ser estilhaçado outra vez.

Só saio de minha cabeça quando sinto bater no meu ombro e apontar pra saída dizendo — Vem, você já bebeu demais. É hora de ir pra casa, a Vic vai te levar — Vejo ele a chama quando enquanto ela estava saindo, é uma pequena discussão engraçada entre eles até que ela caminha até mim e me puxa pelo braço — Oi, Victoria — Ela olha pra Jack que dá risada e ela o ameaça, mas ele se vira e vai embora, só me dou conta que saímos do bar quando ela me prende com o cinto de segurança e perguntando meu endereço e colocando no GPS, sorrio para ela que pergunta — O que você está fazendo? dou de ombro o melhor que posso ainda sorrindo para ela — Isso aí, você está sorrindo para mim... Não sorria para mim!

Consigo sentir sua total indignação, mas meu cérebro bêbado não consegue compreender tal coisa e é por isso que me pego dizendo — Qual é Vic? Você gostava de mim! No meu melhor tom infantil, ela me lança o olhar sombrio — Gostava, mas isso foi antes de você ferrar com minha amiga, antes de você acabar com ela! Tenho certeza que se um olhar pudesse matar, eu estaria morta agora mesmo, a raiva dela é tão tensa e palpável que me sinto sufocada, imediatamente sinto meus olhos arderem e não tento segurar quando sinto minhas primeiras lágrimas descerem por minha face e ela suspira, recuando um pouco em si, ainda há tanto mágoa aqui, todos eles parecem tão machucados... Quanto mal realmente eu fiz volto a me perguntar enquanto em fica em silêncio apertando com muito mais força que o necessário o volante.

Ficamos todo resto do trajeto em um silêncio duro, mas assim que ela pára em frente ao meu prédio — Você realmente a machucou Carina... Ela já não era mais ela... Ela... Ela — Vic solta um suspiro longo e dramático, antes de continua — Nova York foi bom no início, ajudou... Então veio o acidente e ela não lembrava de nada e doeu. Ainda doi. E agora você está aqui de novo... Não acho que alguém vá sobreviver a tudo isso novo — Ela soluça e vejo que ambas estamos chorando — E agora tem o Noah e ela está tentando, ela está realmente tentando e ele é bom... Então seu choro fica mais forte e desce do carro apressadamente, batendo a porta com força, sigo seu exemplo e caminho para seu lado com a vejo se segurar no carro para não cair, trago ela para um abraço enquanto ela fica repetindo — Ninguém vai sobreviver, Carina! Ninguém vai sobreviver. Ninguém vai...

Ficamos ambas chorando abraçados por um tempo, até nos acalmamos um pouco até que ela se afasta para dizer, quase como se implorasse — Não volte se não pretende ficar, Carina. Não a machuque de novo. Olho fixamente para ela quando digo — Eu não vou!

Dentro da solidão segurada da minha casa começo a pensar nisso, me perguntando o que exatamente isso quer dizer "Eu não vou"; não vou o quê? Não voltar? Não ficar? Não a machucar? Como posso me comprometer com ela para qualquer coisa dessas quando ainda não consigo me comprometer comigo mesmo? Admitir para mim o que está bem no fundo?

Toda a bebida que tomei começa a me fazer mal ou talvez seja apenas as consequências do dia me alcançando agora. Não importa porque tudo vai um pouco além de mal: algo ácido corre por mim, devorando minhas entranhas.

Caminho o mais rápido que posso para o quarto, batendo a porta e tombo na cama sentindo o teto rodar. É como se eu estivesse deitado sobre um carrossel. Tonta, sem saber onde é céu, onde é inferno. Sem saber dizer se os dois lugares são um só.

Fecho meus olhos e posso ver ela, não a Maya de antes. A que um dia foi minha... Não, essa não... A de hoje, inalcançável, largada e linda, tão linda que chega de doer a retina. Aperto firmemente meus olhos com o polegar e o indicador me perguntando por que eu simplesmente não a ignorei, tudo que eu devia ter feito era dispensá-la quando a vi no hospital e ela nunca saberia sobre mim, mas não, eu tinha que mostrar para ela, queria mostrar para ela que estou bem, que podia, pela primeira vez, olhá-la de cima para baixo. Mas assim que coloquei os olhos nela, virei do avesso. O choque de não ser reconhecida suplantou a raiva; minha existência foi semiapagada quando descobri que fui esquecida.

Solto um riso de escárnio quando percebo que continua mil a zero para ela. Mesmo por baixo, com amnésia e criando uma criança sozinha, ela me deu uma rasteira. E tudo o que sinto é falta dela.



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