Capítulo 5 - Quem é o vilão?

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"O destino embaralha as cartas, e nós jogamos." — Arthur Schopenhauer


Afasto a gola da pele do pescoço. A sensação é de que a pele está apertada no corpo, mas mesmo tendo ciência, busco a confirmação — Do que ela exatamente se esqueceu?

Ela sobe as vistas, e até seus olhos parecem apartamentos vagos: — De você, de mim, de todos. Tudo o que viveu desde do ouro. — ela dá de ombros.

O silêncio zune no meu ouvido. Não sei por quanto tempo ela me olha, nem consigo classificar que tipo de olhar é aquele, pisco, a claridade me desnorteando, ou talvez seja só as palavras dela. Alguma parte minha tinha esperança que talvez Maya estivesse fingindo, mentindo, ou ocultando o reconhecimento?

Gostaria de morrer para não ter total certeza que Maya realmente se esqueceu de mim; morrer a passar outros anos me perguntando o que aconteceu a ela. E, de alguma forma, morro assim mesmo. De alguma forma volto aos pensamentos do início do dia. Sobre destinos e sortes, acasos e carmas.

Me sinto quase presa dentro de um aquário, doente e entorpecida de tão maneira que não sei como sai da estação 19, nem quando ou como, sobre o que mais conversei com Andy ou mesmo se conversei mais com ela ou sai correndo de porta a fora, só registro que estou no meu novo apartamento estiloso e super caro quando vejo meu irmão parado na minha frente balançando embalagens de comida para viagem, ele me olhando me analisando com cuidado, mas o quer que ele viu no meu rosto guardou para 20 minutos depois quando nos serviços e nos sentamos para comer;

— Você simplesmente saiu hoje. Deve ter sido importante para você largar tudo no seu primeiro dia de volta... E então? — Andreas para com os talheres no ar. Não tenho certeza se devo ou não contar para o meu irmão, inconscientemente acredito que sim, porque sei que ele fará um grande discurso e sei que mereço essa punição.

— Vi a Maya hoje? — solto rápido sem pensar e ele aponta os talheres para mim, um garfo e uma faca afiada. — Abaixa a faca, Andreas. Ele volta a comer, balançando a cabeça sério. — No que você estava pensando, Carina?

— Bem, eu não estava. Mas precisamos conversar sobre outra coisa. — Ele volta a me olhar de forma estranha e suspira antes de dizer — Deixe - me adivinhar, ela não quer nada com você... Melhor, ela te odeia? Quem me dera irmãozinho, assim seria mais fácil, muito mais fácil, pra quê? Não faço ideia, só sei que seria tudo mais fácil, pois sinto meus olhos arderem quando digo — Ela não reconheceu — Eu choro e tento dizer — Ela... Ela não lembra de mim

Andreas fica de pé rapidamente me olhando incrédulo e com raiva — Isso é uma maldita piada para você? Porque se for não tem graça sua idiota. Ótimo agora até meu irmão me odeia também, choro mais alto

— Desculpe, desculpe. Não sei o que deu em mim... Isso não é uma piada? É? Ela é de muito mal gosto — Ele diz não exatamente se justificando, mas tentando entender do que raios está acontecendo aqui. — Ela sofreu um acidente e perdeu boa parte da memória, ela não se lembra quem eu sou.

— Você acha que ela não se lembra de você? Você tem certeza que ela não estava te dando um perdido?

— Não, já confirmei. — Ele volta a sentar e balança as mãos por mais, então elaboro — Fui até a estação 19, falei com Andy para ter certeza.  Andreas ainda me olha incrédulo, mas volta a comer quando digo — Ela também não lembra dela, além disso, Maya tem um filho.

Andreas deixa seu garfo cai enquanto engasga e começa a bater no próprio peito em desespero, ele reage antes que tenha que agir com as bochechas vermelhas pelo esforço e olhos tristes para mim enquanto murmura algo que soou como algo em torno de "achei que ela não queria crianças"

Quando sua frase vem eu me assusto. Ela vem em forma de dor genuína por mim, ele sabe que não foi fácil para mim no passado, sabe o quanto sofri por ela, por nossa história e com minha decisão — Por que está fazendo isso, Carina?

— Eu não sei! É a única resposta que ele obtém de mim, a mais sincera que poderia dá, não sei. Não conseguiria, nem se tentasse, explicar o que aconteceu comigo durante o tempo em que ela passou sentada na minha frente. Como explicar que meus neurônios entraram em curto e que eu mal consegui respirar, quanto mais raciocinar?

— Você deveria deixar - lá em paz — Ele diz e eu me afasto o máximo de consigo dele ficando séria e tensa em milésimos, ele lê bem isso porque prossegue. — Juro que não entendo você. Foi você quem a deixou no passado, deixe ela ser feliz o quanto puder agora, ela não precisa de mais estresse na vida dela.

Com o punhos cerrado fico de pé dizendo — Você fala como se só existisse um vilão nessa história.

— Mas só existe um vilão na história! — ele explode.

— Eu tinha minhas razões. — Me defendo.

— E agora ela tem um filho. — Ele diz como se eu tivesse cometido um erro imperdoável ao ir embora, como se tivesse se resolvido com o tempo naquela época e agora eu deva pagar não ter esperado, como se pudesse ter imaginado que isso iria acontecer se tivesse ficado, não deveria doer tanto porque ninguém poderia prever isso, mas dói mesmo assim volto a me sentar derrotada como nunca enquanto digo — Ela está diferente.

Andreas suspira estendendo sua mão para segurar a minha — É claro que ela realmente deve estar diferente agora, ela não se lembra de nada, sem complicações do passado, sem amigos e ainda por cima ela tem um filho. É muita coisa, isso pode mudar completamente uma pessoa.

Ele mais uma vez está certo, Andreas não me apoiou quando decidi ir embora, sempre dizendo que o tempo é o senhor de todas as coisas e que iria pagar por isso algum dia, lembro de como isso costumava me irritar, lembro de está com chateada com ele, com ela, do mundo e comigo, lembro da constante queimação raivosa dentro do peito, ao redor, em toda a parte. Essa mesma raiva ainda não deveria estar ali? Sabe como um manto invisível e protetor que simplifica os sentimentos e não deixa a memória dos eventos desbotar? Porque a impressão é que esse manto se esgarçou como um tecido velho e agora eu não sei como devo me sentir.

Claro que meu irmão é um bom irmão, então parou de tocar no assunto que percebeu o quanto me abalava sempre que dizia algo do gênero e que meu calvário já era o bastante pesado sem ele me julgando e criticando o tempo todo, com o tempo ele começou a recuar assim como acabou de fazer agora.

Contudo, qualquer forma me perco nas palavras do meu irmãozinho idiota, realmente é muita coisa e fico me perguntando como ela esta lidando com tudo isso, ela não era boa em lidar com as coisas no passado, pelo contrário quando estávamos juntos Maya parecia ter dez anos a mais do que seus vinte e poucos, mas quando a vi hoje ela parecia ter voltado no tempo, ter dez anos a menos do que seus quase trinta. Era quase como se algo tivesse estagnado em sua vida, sabe? Ou se recusado a crescer.

— Ela parece outra pessoa. — Concluo e só percebo que falei em voz alta quando ouço mio fratellino dizer — Talvez ela seja.

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