2. Ecos do Passado

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Desde pequeno, Sylvest já tinha aceitado a sentença dos anciãos de que  havia nascido sob um péssimo signo

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Desde pequeno, Sylvest já tinha aceitado a sentença dos anciãos de que havia nascido sob um péssimo signo. Sua mãe era Uffra, da Tribo de Uhr, uma criatura da noite e sacerdotisa da Lua. Seu pai era Thomeryn Drabeck, feiticeiro fruto de uma noite sagrada entre um ser do Sol e um ser da Lua. A contradição estava em seu sangue desde o momento de sua concepção, e como se não bastasse, Uffra entrou em trabalho de parto durante um eclipse, quando o dia se fez escuro como um mau presságio.

Por mais que os lobisomens debatessem entre si se a criação de sua espécie se deu pela Deusa-Lua ou pelo Deus-Lobo, um fato era indiscutível: Asthramyne, além de ser a materialização da Lua, era a Mãe dos Monstros. Como tal, era a responsável pelo nascimento de todos os luphyr, os cruéis lobos gigantes feitos de sombras que carregou em seu próprio ventre e despejou nos Abismos, dotados de extrema inteligência e crueldade.

Quando ainda era um filhote, era mais fácil ignorar, fingir que nada acontecia. Mas conforme crescia, a verdade tornou-se tão evidente que era impossível negar o óbvio: seu corpo não era apenas seu, e sua alma estava para sempre ligada a Badhyr, um dos primeiros luphyr a saírem do ventre da Lua, sedento por sangue e vingança. Os anciãos obviamente jamais poderiam aceitar tamanha aberração em sua Tribo, e logo se viu exilado com seu pai em alto-mar, já que estranhamente a criatura que vivia dentro de si assustava-se o suficiente com a imensidão de água salgada para permanecer contido dentro de si.

É claro, toda vez que aportavam em Arhi Zlato precisava ficar contido em celas repletas de magia antiga, e Badhyr assumia sua verdadeira forma durante Luas até que fosse saciado pela carne pútrida dos imbecis que ousavam trair a Frota da Bruxa. Mas foi no Expurgo das Feras que viu realmente o verdadeiro horror do que carregava dentro de si, finalmente livre de verdade, sem nada para o conter.

Foi no Expurgo das Feras que Sylvest perdeu quase tudo. Viu sua mãe sucumbir lentamente pela fome e pelo cansaço, assistiu o amor de sua vida ser friamente assassinado na mão dos homens leais aos Eichbah. E foi a primeira vez que sentiu tanto ódio a ponto de não conseguir se conter, e deixou Badhyr escapar. Três batalhões não eram o suficiente para pará-lo, e era perturbador perceber o quão mais apetitoso parecia carne fresca com sangue quente ainda bombeando lhe parecia em suas presas em comparação a carne dura, rançosa e com sangue coagulado com a qual o luphyr tinha sido alimentado até então.

De certa forma, foi aquilo que garantiu que a Tribo de Uhr conseguisse cruzar a fronteira e chegar ao Território de Tallah, mas a que preço? Engoliu uma divindade e Chefe Chafyr, deixando seu povo em um local desconhecido com um líder sem experiência. Se dependesse apenas de sua vontade, jamais voltaria a Uhr e encararia a culpa de ser incapaz de se controlar, mas aquela frase mudava tudo:

— Evanora atravessou o Bosque dos Lamentos.

Era o único filho biológico de Thomeryn, mas a adoção nunca foi uma polêmica entre os piratas. Depois do perturbador episódio do Expurgo, suas únicas memórias felizes eram com seus irmãos mais novos, e a caçula definitivamente era uma pequena princesa entre eles. Obviamente, não era uma donzela fraca e indefesa: era uma pirata e havia ceifado muitas vidas com sua espada. Não mudava que foi extremamente mimada pelos mais velhos em tudo que era possível: fazia as tarefas menos pesadas do navio, separavam a melhor comida e bebida para ela, e vivia repleta de adornos que conseguiam em seus saques.

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