Prólogo

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                                     Prólogo

Sorbo acordou afogando-se nos mares de sua cama.

Em seu pesadelo, um mar escuro o envolvia e o engolia nas profundezas do nada, não havia ar, e ele sufocava e se nadava procurando a superfície da escuridão, mas não havia superfície para encontrar.

Quando abriu seus olhos, a escuridão ainda o acompanhava, mas ele não precisava ver para saber que o pesadelo tinha acabado, podia sentir o conforto de seus lençóis, o macio de sua cama, o queimar de seu pulmão.

Não, o pesadelo não havia acabado, o pesadelo apenas havia trocado de cenário, ele ainda se afogava. Sem ar, e sem tempo, suas esqueléticas mãos tateavam o escuro a procura de seu sino de cabeceira.

Seria agora sua hora? Perguntou uma voz suave.

Ele pode sentir a delicada madeira do sino tocar um de seus dedos, mas ao tentar fechar sua mão sobre o pequeno objeto, a qualidade da madeira e sua polidez e tudo aquilo que fazia o pequeno sino valer mais que outros sinos, fizeram com que eles escorregassem por entre seus dedos e caísse sem fazer barulho em seu igualmente caro tapete importado.

Não. Sorbo gritou em sua mente sem conseguir emitir nenhum som em sua cama. Seu pesadelo era real, ele sabia agora, mas não era em águas que ele se afogava, e sim no catarro preso em sua garganta. Eu quero viver maldita, você me prometeu vida.

Alto será o custo. Falou a voz que vinha de lugar nenhum.

Não foi coragem que guiaram suas mãos até seu pescoço. Medo e somente medo guiavam seus dedos e unhas a dilacerarem sua pele fazendo seu sangue fluir.

 Era um plano aterrorizador, porém prático. Rasgar sua garganta até alcançar sua traqueia para que pudesse respirar pelo buraco. No inicio, sua pele se partia sem muito esforço, mas, a medida em que o sangue fluía, seu dedos escorregavam e rasgavam os lugares errados fazendo com que sangrasse mais, deixando ainda mais apavorado.

Foi então que sua primeira unha se partiu. Sorbo não desistiu mesmo quando quase todas suas unhas se quebraram.

Enlouquecido ele tentou enfiar seus dedos dentro da ferida, mas, estes se dobravam para o lado errado de suas juntas e se partiram como se fossem gravetos. Não. Não me abandone agora, você me prometeu.

A única promessa de vida é a morte meu bravo Sorbo. Ela que não estava lá falou com uma imensurável ternura.

Ele ainda ouvia, mas as palavras já não tinham significado, um animal irracional habitava agora o seu peito, uma criatura desumana que possuía apenas um sentimento, apenas um propósito.

Quando a escuridão o engoliu por completo, Sorbo não fugiu do animal. Ele se entregou à fera, mergulhou nas profundezas de seu medo.  Sorbo então gritou e gritou, até que o silencio não mais tinha forças para calar sua voz.

 Num espasmo de vontade e força, ele ouviu seus gritos entre os jatos de vômito e catarro que jorravam de sua boca ao mesmo tempo em que defecava e urinava em sua cama.

Não havia vergonha, não havia mais medo, seu primeiro suspiro foi seu momento de maior prazer em toda sua longa vida. Sorbo sorria mesmo deitado numa cama de sua imundicie, ele sentia algo que não sentia há décadas, felicidade.

Seu prazer contudo foi passageiro, e com cada suspiro que dava, ele sentia suas dores voltar.

As pontas de seus dedos desunhados, as juntas distendidas, seus dedos fraturados. Dores competindo entre si por sua atenção, sua garganta dilacerada, seu coração podre.

Rainha do GeloWhere stories live. Discover now