- Mas que porra?! – Foi o grito que Jerry deu. Não entendeu de imediato o que acabara de acontecer, tossindo com a poeira que dançava pelo ar e atordoado demais para analisar a cena caótica. Seu coração batia acelerado, como se fosse sair pela boca.
- Tá tudo bem, aí? – Escutou alguém lhe indagar, não sabendo a origem do som. Procurou a pessoa, percebendo finalmente o rombo no teto. Pedaços de forro e gesso cobriam seu sofá novo, misturados a outras tralhas. Levantou o olhar novamente, encontrando o rosto feminino que lhe encarava apreensivo.
- Acho que tá sim. – O loiro respondeu, batendo o pó da roupa. Seu braço ardeu, evidenciando arranhões e vergões bem desenhados, gotículas de sangue pintando a pele arrancada.
- Menos mal, agora posso te mandar tomar no cú por ter destruído meu chão! – A mulher gritou, a raiva mais que evidente.
- Eu?! – Fulton não podia acreditar. Riu com gosto, passando as mãos pelos cabelos desgrenhados. – Quem estava batendo no piso como se não houvesse amanhã, era você. – rebateu, acusador.
- Se tivesse o mínimo de respeito, não teria de fazer isso. – Ela retrucou, cada vez mais nervosa. – Essa porra de guitarra, essa porra de acorde repetido por semanas no meu ouvido! Vá se fuder!
- Pra sua informação, é direito meu poder fazer. Estou dentro do horário permitido. – Cantrell tinha estudado o manual das regras de convívio, temendo que alguma reclamação ocorresse.
- Quero que se foda você e seus direitos! – A jovem disse, mostrando o dedo do meio. Era quase engraçado vê-la pelo buraco, o corpo inclinado cuidadosamente. – Olha o que eles fizeram!
- Você é louca! – Jerry acusou, possesso. – Esse seu descontrole que causou a merda toda. Olha o meu teto! Você destruiu meu teto! Destruiu minha sala! E era tudo novo... – Balbuciou a última parte, dando-se conta do estrago causado. Será que as coisas continuariam a dar errado? Não bastasse o incêndio quase dois meses antes?
- Destruí?! – Ramona repetiu, quase num chiado. – Bem feito! Olha o meu estado, babaca! Meu chão abriu! Abriu! – Enfatizou. – E se eu caísse? E se eu quebrasse um braço, uma costela, uma perna, sei lá? Ou até morresse? – Jogou as possibilidades, sentindo arrepios a cada situação teorizada. – Aliás! Quem vai pagar esse prejuízo?
- Eu é que não! – O rapaz negou, indignado. – Você fez essa porra! Você! Não eu! – Apontou para a figura ruiva, que revirou os olhos.
- É o que vamos ver! – A mulher sorriu irônica, desaparecendo e deixando o outro sozinho e atordoado.
- Puta merda! – Fulton xingou, chutando um pedaço do apartamento. Estava ferrado. Completamente e indubitavelmente ferrado. O que mais, faltava acontecer de ruim?
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O barulho de gente andando pra lá e pra cá, as vozes analíticas, a sujeira ainda existente. Tudo isso passava por Jerry como ruídos abafados e desconexos. O loiro sentado no que restou do sofá, assistia à movimentação indesejada, mas obrigatória. O zelador bufava, trocando palavras com o mestre de obras e um técnico em edificações, recebendo o laudo do estrago.
- Que se foda... - Resmungou, o estômago roncando e uma vontade de fumar galopante o invadindo e contribuindo para a rabugice que sentia. Levantou-se, saindo do apartamento sem dar satisfações. Desceu os lances de escadas e se colocou em direção a calçada movimentada. Sem perder mais tempo tirou um cigarro do maço, o acendendo e tragando forte. Observou os carros passando na rua, os pedestres apressados indo de um lado a outro. O estômago protestou novamente, fazendo-o tomar o rumo da lanchonete da esquina. Entrou sem prestar atenção ao redor, se encaminhado certeiro a mesa mais afastada do lugar. Deslizou pelo banco revestido de um vinil vermelho e descascado, apagando o vício no pequeno cinzeiro de plástico e encostando a cabeça na parede. Fechou os olhos por uns instantes, escutando as conversas aleatórias, risadas baixas e sinceras. Incrivelmente aquilo lhe trouxe tranquilidade. Respirou fundo, tentando não pensar nos problemas. Iria comer, ter um tempo de folga das cagadas que a vida vinha impondo e depois, somente depois, voltaria ao apartamento e lidaria com as consequências.
- Hey. - A voz feminina chegou aos seus ouvidos, colocando à prova toda as metas elaboradas anteriormente. Se dignou a encarar a mulher, exibindo uma expressão pouco convidativa. - Posso me sentar? - Ela perguntou, sorrindo de lado e arqueando as sobrancelhas.
- Já está aqui. - O rapaz deu de ombros, indicando a outra poltrona e acompanhando-a se acomodar e ficar de frente a si. Puxou outro cigarro, necessitando da nicotina e a calma que ela trazia.
- Então... - A jovem começou, acendendo seu próprio cigarro. Tamborilou o tampo da mesa, escolhendo o que dizer. Depois que o choque e a raiva inicial haviam passado, deu-se conta que fora um tanto quanto exagerada. Não que se arrependesse de todas as ações, contudo, no calor do momento coisas saíam de sua boca deslavada. - Porra! Me desculpe, ok? Não quero arrumar briga. - Soltou de uma vez, cansada. - Temos um problema em comum e quero resolvê-lo o mais rápido possível. - Continuou, enquanto acenava para a garçonete. - Me chamo Ramona, a propósito. - Estendeu a mão, mirando os orbes azuis do vizinho.
- Jerry... - O loiro iria se apresentar também, entretanto não teve chance.
- ... Cantrell. Sei quem você é. - Ela riu debochada. - Sua fama é grande. - Comentou, soando dúbia. - Tenho amigas e colegas que te conhecem. Fora que já te vi tocando por aí.
- Bem, isso adianta as coisas. - Fulton proferiu, franzindo o cenho. Retribuiu o cumprimento rapidamente, sentindo os dedos gelados dela nos seus.
Nesse instante a atendente chegou, os fazendo cortar o contato e focar nos pedidos. Logo, hamburgueres e cestas com batatas fritas estavam dispostas a dupla que se mantinha num silêncio confortável.
- Será que irão demorar lá em cima? - Ramona levantou a indagação, tomando um longo gole de seu refrigerante. - Aquele buraco foi de foder! - Riu com vontade e de nervoso, quase engasgando no processo. - A sua cara foi impagável! - Permaneceu rindo, lembrando da cena.
- A sua também não estava muito diferente. - Jerry retrucou, segurando um riso que teimava em surgir nos lábios finos. Quem aquela mulher era? Uma hora lhe atacava ofensas e na outra ria como se fossem velhos amigos.
- Touché. - Ela sorriu de lado, divertida. - Só queria ter meu descanso. Hoje era pra ser meu dia de folga. - Esclareceu. - Não estava nos planos ter meu chão destruído. - Deu de ombros, voltando a dar atenção a comida.
- Me desculpe se te atrapalhei, não foi minha intenção. - O músico disse, colocando uma mecha dos fios claros atrás da orelha. - Estou compondo e isso não tem hora pra acontecer. Meus horários não são conhecidos por serem organizados.
- Sei bem como é. - A jovem concordou com a cabeça. - Trabalho na noite e isso deixa todo o resto uma bagunça. Por isso prezo tanto os dias de folga.
- Podemos chegar a um acordo. - Cantrell soltou a opção, conseguindo ver as coisas com mais nitidez.
- Posso deixar avisado os dias que terei folga, tá bom assim? - Ramona sugeriu, observando-o assentir. - Terá que se contentar com o violão, apenas. - Brincou, querendo manter um clima agradável.
- Farei o sacrifício. - O rapaz entrou na onda, permitindo-se rir baixo. Ainda estava um tanto desconfiado da vizinha, porém, começava a desmontar a guarda.
- Muito que bem. - A mulher abriu ainda mais o sorriso, mostrando as covinhas nas bochechas arredondadas, o que lhe dava um ar arteiro, atrevido. - Acho que é melhor voltarmos. Devem estar nos procurando para passar o orçamento e toda essa bosta que o capitalismo nos obriga a vivenciar. - Resmungou, desgostosa em ter mais uma enorme despesa para somar. Deixou algumas notas sobre o tampo de madeira, vendo o outro fazer o mesmo e sem delongas, partiram ao retorno do buraco que os unira de maneira inusitada e que ainda traria inúmeras surpresas.
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Something's Gotta Turn Out Right
FanfictionJerry se sentia azarado. Nada estava dando certo em sua vida e pelo jeito, a maré não mudaria tão cedo. Era o que pensava até conhecer Ramona, a vizinha do apartamento de cima. Será que a convivência com ela faria as coisa darem finalmente certo?