Baby Jenks e pintos imaginários.

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  Ramona limpava um drink derramado no enorme balcão de madeira escura, quando pela visão periférica viu Jerry se aproximar. Ele aparentava estar um tanto ofegante e desalinhado, o rosto corado mesmo sob a luz baixa. Deixou que o loiro chegasse e sentasse frente a si, antes de analisá-lo com mais atenção.

  - Bateu uma, não foi? – Soltou, passando uma garrafa de cerveja pra ele.

  - Tá tão óbvio assim?! – Fulton disse, os ombros caídos em constrangimento.

  - Relaxe! Todos os caras fazem isso aqui. – Ela esclareceu, sorrindo com gentileza. – Ninguém liga e ninguém vai pensar nada de você. Então sossega o cú aí e aproveita o resto da noite. – Piscou divertida, indo atender outro cliente.

  - Louca pra caralho... – O guitarrista comentou baixo, rindo em seguida. Conhecia a mulher a apenas dois dias e era tratado como um velho amigo. Não sabia se ficava acuado ou fascinado com o jeito dela, que nitidamente não ligava pra nada nem ninguém, tacando o foda-se e vivendo a vida como bem entendia, sendo quem bem entendia. Riu mais um pouco, pensando que no dia seguinte contaria sua aventura aos amigos de banda, pois teriam ensaio.  

  - Voltei, bonitão punheteiro. – Ramona brincou, o vendo revirar os olhos exagerado. – Daqui a pouco meu turno acaba e podemos ir, ok? Deve estar exausto, fala aí? – Prosseguiu com as provocações, inclinando-se até estar muito perto do rapaz e o encarar por infinitos segundos. – Uma pena. – Externou uma expressão de falso pesar, mudando para outra que beirava a malandragem. Sem aviso, avançou o pouco espaço que os separava e roubou um singelo beijo, quebrando rapidamente o contato e retornando à sua posição original, como se nada tivesse acontecido.

  Cantrell piscou algumas vezes, sem entender o que acontecera. Ponderou silencioso e acabou por dar de ombros, chegando a conclusão que raciocinar sobre aquilo era desnecessário. Sorriu de lado como o bom cafajeste que sempre fora e levantou sua garrafa num gesto de “sempre que quiser”, antes de sorver o líquido maltado. A assistiu rir com vontade, o imitando no ato de beber e iniciando algum assunto aleatório e superficial.

  Sem perceberem, o restante da noite passou voando e logo encontravam-se vestindo os casacos e se direcionando a saída do estabelecimento. Já na calçada acenderam seus respectivos cigarros, soltando as nuvens de fumaça na madrugada gelada. A postura relaxada de ambos, ditava que tudo ocorrera bem no final das contas e mesmo com as adversidades foi uma ocasião proveitosa. Os passos displicentes do par e o silêncio confortável denunciava que de forma ligeira e estranhamente natural, se sentiam a vontade na presença um do outro.

  - As meninas são muito boas. – O músico começou, como quem não queria nada. – A Mary realmente sabe o que faz.

  - Sim, elas arrasam. – A ruiva assentiu, contendo um acesso de riso e apenas sorrindo de forma inocente. – A Mary que ensinou tudo pra outras. Ela é a mais velha e experiente.

  - Foda. – Fulton comentou, não sabendo o que dizer. – Mas, e aquela dançarina que se apresentou com Rebel Yell? – Externou a pergunta de um milhão de dólares. – Ela também era muito boa. – Deixou a frase no ar, falsamente indiferente.

  - Gostou dela? – Ramona o indagou, erguendo uma sobrancelha.

  - Só achei bacana a escolha da música. Destoou das outras. – Jerry deu de ombros, dando atenção demasiada ao cigarro. – E foi a única a usar máscara. Isso marca. – Completou, sabendo que era um bom argumento.

  - Ah sim. – A jovem concordou, dissimulada. – Nós a chamamos de Baby Jenks. – Iniciou sua explicação. – Ela apenas se apresenta e vai embora. Sempre de máscara e nunca totalmente nua. Não é de interagir com o pessoal, também. – Concluiu, reparando que a curiosidade dele crescera e se divertindo imensamente com aquilo. – Mas, se quiser posso tentar pegar o telefone dela, sei lá. – Sugeriu, ainda sorrindo.

  - Não. Deixe como está. – O guitarrista franziu o cenho, como se não valesse a pena.

  - Você quem sabe, bonitão. – A mulher não o contrariou, fazendo o tópico se encerrar por ali. – Só que o “cinco contra um” no banheiro foi por causa dela, não foi? – Teve de perguntar, mesmo a resposta sendo  óbvia. O silêncio que recebeu fora suficiente, desencadeando risadas discretas e julgadoras.

  - É bom saber que sou uma piada pra você. – O loiro proferiu, meio rabugento.

  - Porra! É sério que vai magoar? – Ramona parou em frente ao homem e o fitou longamente. – Achou a Baby Jenks gostosa e precisou descarregar o tesão, só isso. – Explanou meio entediada. – Já conversamos o suficiente pra ter sacado meu humor, meu jeito. Então pare de frescura, ok? – Deu seu recado, ainda mirando os orbes azuis.

  - Ok. – Cantrell respondeu, neutro. Se sentia uma criança levando bronca.

  - Só pra você saber. – A ruiva voltou a sorrir, dessa vez emanando marotagem e malícia. – Até eu já bati uma pra ela, com meu pinto imaginário. – Confessou e sem mais, retornou à sua posição anterior.

  - Pinto imaginário?! – Fulton questionou, claramente perdido.

  - É! Pinto imaginário. - Ela repetiu, ilustrando a frase com as mãos. – Toda garota tem um. – Informou sem perturbações.

  - Se você diz... – Jerry decidiu não continuar com o assunto, era nítido que não teria maiores explicações.

  - Vocês homens, nunca irão entender... – Ramona deixou  frase no ar, suspirando resignada. – Nunca. – Completou, os fazendo cair num silêncio estranho.

  E foi assim que terminaram o trajeto de volta ao prédio, imersos em ponderações e questionamentos duvidosos. O loiro chegava a porta do apartamento, parando no meio do corredor quando uma ideia lhe veio à mente. Sem esperar, deu meia volta e correu para alcançar a vizinha, que nesta altura deveria estar chegando no próprio lar. Subiu o lance de escadas com agilidade ímpar, respirando fundo algumas vezes, pelo súbito gasto de energia.

  - Ramona! – A chamou, enquanto ajeitava a cabeleira.

  - Tá fazendo o que aqui? – Ela retrucou em resposta, pendendo a cabeça para o lado antes de sorrir marotamente.

  - Tire o cavalinho da chuva. – Cantrell revirou os olhos para a cena, mesmo que se divertindo. – Só queria te convidar para o ensaio da banda, amanhã. Retribuir a noite de hoje.

  - Sabe que poderia ter aguardado eu entrar e fazer o convite pelo buraco, não é? – A ruiva expôs, o observando ficar vermelho.

  - Esqueci. – Foi tudo o que o músico conseguiu dizer.

  - Dessa vez passa. –  A jovem brincou, piscando divertida e o assistindo rir. – Depois me passa o horário. – Completou, abrindo sua porta e desaparecendo de vista.

  Jerry voltou a própria residência, se sentindo um idiota. Adentrou a sala e se jogou no sofá danificado, tampando os olhos com o braço direito e relembrando a apresentação de Baby Jenks, tão perfeita. Não soube quanto tempo ficara assim, só saindo da bolha quando algo lhe acertou.

  - Hey... tá dormindo? – A voz de Ramona preencheu o ambiente, mesmo que comedida.

  - Se sim, não estou mais. – O rapaz soltou, lançando um olhar cansado para o rombo no teto.

  - Mil perdões. – A mulher debochou, falsamente arrependida. – Só queria te dar isto. É minha receita para dormir. – Estendeu uma caneca com extremo cuidado, a fumaça saindo espiralada e levando um cheiro gostoso até o loiro.

  - Fez chá pra mim? – O músico indagou, arqueando uma sobrancelha, convencido.

  - Ah sim, como não faria? – Ramona permaneceu com o tom debochado. – Só pega logo essa porra. Tá queimando meus dedos. – Bronqueou, sendo atendida de prontidão.

  - Obrigado. – O guitarrista sorriu de maneira fofa, tomando um gole do líquido e sentindo todo o corpo aquecer.

  - Sem problemas. – A jovem retribuiu o sorriso, também tomando sua bebida, mesmo estando de bruços na beirada do buraco. – Bem, vou deitar. – Informou, enquanto reprimia um bocejo. – Boa noite, bobão. – Desejou ao colega, sumindo no instante seguinte.

  - Boa noite. – Ele rebateu baixo e rindo consigo mesmo. Aquela mulher era pirada, pensou, terminando o chá e depositando a louça na pia, antes de dirigir-se ao quarto. Adoravelmente pirada.

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