Capítulo Três

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Os olhos são os intérpretes do coração, mas só os interessados entendem essa linguagem.

- Blaise Pascal

A tumba de Aquiles foi erguida na colina onde ele gostava de passar seu tempo livre, e o nome de Pátroclo estava gravado profundamente no mármore como Pirro prometeu a Hedi que estaria, e o menino não poderia estar mais grato por isso.
Depois que os mortos foram devidamente sepultados as batalhas recomeçaram. A primeira vez que Pirro saiu para uma batalha foi estranho para Alkinoos, na verdade Pirro era um rapaz bem estranho no geral. Ele comia pouco, bebia mais vinho que Hedi achava que era saudável, e o garoto nunca tinha visto o irmão dormir, quando ia dormir ele estava lá sentado naquela cadeira e quando acordava ele ainda estava lá o observando, como se estivesse se certificando que nada aconteceria com um único fio de cabelo da cabeça do menor. As outras crianças do acampamento deles diziam que o ruivo tinha o olhar assustador, Alkinoos não concordava achava os olhos de Neoptólemo lindos, afinal eram parecidos com os olhos de Aquiles, mas também achava o irmão muito... peculiar. Talvez tivesse a ver com o fato de ele ter sido educado entre os deuses ou algo muito mais profundo que Hedi não conseguia entender.

- O que foi? 

- Hum? - Hedi piscou confuso para o irmão.

- Você estava me encarando. -  Pirro esclareceu. - Me encarando de uma forma mais estranha que o normal.  

- Desculpe. Eu... amanhã você vai para batalha. - murmurou o menino. 

- E isso te preocupa? - O ruivo perguntou balançando a perna jogada sobre o braço da cadeira.

- Um pouco. - disse o mais novo brincando com os lençóis da cama que sua mãe mantinha sempre tão brancos quanto possível. - É difícil não ficar com medo de te perder também.

A perna de Pirro parou e ele olhou demoradamente para o irmão. Deve ter sido muito difícil para o garoto perder ambos os pais, e pior ainda vê-los mortos, tão difícil quando crescer no meio daquela carnificina que é a guerra. O próprio Pirro não sentiu nada quando soube da morte de Aquiles, era seu pai e no entanto o ruivo não se sentiu triste e nem aquela dor no peito que alguns descreviam ao perder alguém. Costumava pensar que talvez fosse porque não conhecia o pai, vez ou outra se perguntava se era algo consigo, mas isso deixou de importar, não tinha tempo para se importar com coisas banais como aquelas. Mas seu irmão... seu irmão se importava com a vida dele, ele que mal o conheciam a uma semana. Quem era ele para julgar o pequeno por se importar, ele mesmo pela primeira vez em sua vida de doze anos se via se importando e zelando por alguém.

- Você não vai me perder. - disse com a maior certeza possível em seu tom decidido. - Eu vim aqui ganhar essa guerra. Você não vai me perder nela, acredite em mim.

- Acredito e confio em você. - Hedi respondeu afundando um pouco mais entre os lençóis. Neoptólemo percebeu certo rubor no rosto do moreninho quando ele ergueu os olhos meio tímido. - Irmão, posso te pedir algo?

- Peça. - o ruivo respondeu sem nem pensar. - E farei o que estiver ao meu alcance para te dar o que deseja.

- Você... você poderia... dormir aqui comigo essa noite? - Hedi pediu fazendo sinal para a cama enquanto suas bochechas ficavam pelo menos dois tons mais rubras.

Pirro não soube como reagir, imaginava que o menino pediria algo de mais... valor. Como um chiton, ou uma adaga, uma espada, quem sabe um peplos ou uma jóia qualquer para presentear sua mãe Briseis, como ele chamava. E ali estava ele pedindo... isso. Talvez ele só estivesse realmente com muito medo, ele era só uma criança. As vezes o ruivo tinha que lembrar a si mesmo que o menor não era tão precoce quanto ele.
Enquanto Pirro estava perdido na própria mente Hedi estava afundando na própria vergonha de ter pedido aquilo, mas ele realmente temia que como seu pai Patroclo e seu pai Aquiles Neo também fosse e não voltasse. Fazia pouco tempo, apesar disso se importava com irmão, mas ser olhado por ele daquele jeito demorado o fez se encolher e querer fugir, será que era tão estranho querer ele por perto sendo que no dia seguinte ele poderia morrer?

O Coração de PirroOnde histórias criam vida. Descubra agora