Capítulo Quatro

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O coração tem razões que a própria razão desconhece.

- Blaise Pascal

Alkinoos acordou quando a faixa de sol que passava pela fresta na entrada da tenda alcançou a cama. O menino abriu os olhos para o peito branco do irmão onde estava deitado, levantou os olhos lentamente até o rosto adormecido do mais velho. Era a primeira vez que acordava e Pirro ainda estava ali, era primeira vez que o via dormir, o pequeno pensou sem saber que aquela na verdade era a primeira vez em anos que o mais velho dormia. Ficou naquela posição sem se mover o queixo apoiado no peito de Pirro encarando o rosto adormecido dele, ele se parecia tanto com o pai deles, Alkinoos se perguntou se quando Aquiles tinha aquela idade também dormia assim como Neo. Neo dormia como um príncipe, quase sem se mexer, até a respiração dele parecia controlada quando dormia;  Hedi se lembrava de seu pai Aquiles também não se mexer muito durante o sono, mas ele não respirava do jeitinho contido de Neo quando dormia. Aquilo era algo que provavelmente veio de outra pessoa, talvez a mãe dele, Hedi não tinha como saber. Mas Neo tinha muito  do pai, muito além da aparência, mesmo que as pessoas naquele acampamento não conseguissem ver, Alkinoos percebeu no momento que colocou seus olhos nele, e o amou nesse mesmo momento, mais do que porque Neo era seu irmão e não estaria mais sozinho ele era um pedacinho de Aquiles, uma parte de seu amado irmão sempre seria seu pai perto dele.
Neoptólemo abriu os olhos, encontrando olhos grandes e negros a observa-lo com um sorriso pequeno nos lábios infantis, o mais velho sorriu também e o braço largado nos lençóis foi para a cabeça do moreno em um afago carinhoso.

- Oi. - o ruivo disse baixinho.

- Oi. - o menor respondeu fechando um dos olhos adoravelmente enquanto a mão do maior descia de seu cabelos para uma carícia em sua bochecha.

-  Faz muito tempo que você acordou?

- Não, acordei agora. - Hedi sorriu.

- O sol parece estar alto lá fora. - Pirro disse olhando para a faixa de sou que passava pela entrada da tenda. - Acho que eu não deveria estar mais aqui.

Como se pudessem ouvir o que disse o ruivo uma voz masculina chamou Neoptólemo do lado de fora, os dois irmãos trocaram um olhar antes de Hedi se afastar na cama e dar espaço para que o mais velho pudesse se levantar. Pirro se levantou contra a vontade e desapareceu para entrada da tenda com uma expressão gélida no rosto. Alkinoos não ouviu a conversa que o irmão teve com o homem lá fora, mas sabia que era o de sempre, a guerra. O menino se moveu na cama ignorou as vozes lá fora olhando para o teto da tenda, será que nos campos Elísios onde seus pais estavam eles podiam vê-los? Será que onde os dois estavam, estavam felizes por Neoptólemo ter vindo para cuidar dele? Será que seu pai Aquiles sabia o quanto era feliz agora por ter seu irmão? A tenda se abriu e Neoptólemo entrou, Hedi observou o irmão atravessar a tenda até o canto onde estava uma armadura que provavelmente alguém tinha limpado e trazido para ele durante a noite.

- Eu tenho que ir. - O ruivo disse, pegou a couraça e a vestiu sobre o pescoço, ajustou-a e puxou os cordões que prederam a peça firmemente ao seu corpo e amarrou por dentro.

Alkinoos ficou ali deitado observando o irmão vestir peça por peça da pesada armadura feita especialmente para ele, o moreninho já tinha visto muitos homens vestirem armaduras:  Seus pais, os amigos de seus pais, os Mirmidões, soldados de outras partes do acampamento, seu tio Odisseu. Aquela não era à primeira vez que tinha vontade de chorar por ver alguém vestir uma armadura, tinha tido vontade de chorar várias vezes quando era menor quando via seu pai Aquiles vestir sua armadura e partir, ele nunca chorou, talvez porque Pátroclo estivesse ao lado dele, ou porque Briseis o fazia sorrir. Mas era a primeira vez que lágrimas escaparam escorrendo pelas bochechas morenas, um soluço baixo escapou e Hedi ganhou o olhar surpreso do irmão, e isso o fez se sentir bobo, era uma criança, mas já tinha oito anos se lembrava de quando era mais novo e o rei Menelau disse que em Esparta os meninos começavam a ser treinados para a guerra aos sete anos, porque não podia ser como esses meninos guerreiros, eles com certeza não choravam com medo de ficarem sozinhos. O garoto cobriu o rosto envergonhado, não queria que o ruivo o visse chorar, embora soubesse que era tarde demais. Pirro se aproximou da cama e tirou com paciência e carinho as mãos do menino da frente do rosto, ele não era bom com essas coisas de sentimentos e de consolar pessoas, mas supôs que conseguisse, eram só Alkinoos e ele.

O Coração de PirroOnde histórias criam vida. Descubra agora