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-Que porra foi essa, Noto???

-Não olha para mim! Vira para lá agora, Theo!

Eu só consegui gritar, a voz ainda embargada pela água, tentei sair da banheira, mas isso aconteceu da forma mais desajeitada possível, quase cai no piso molhado, foi tudo tão rápido, ele me olhava, seus olhos incertos, apavorados, ele estava paralisado e, mais agressivamente do que eu realmente gostaria, dei-lhe um empurrão no ombro, forçando-o a me dar as costas. Eu tremia, meu corpo como um todo tremia, olhei para baixo, vendo minha pele diáfana, o espelho a minha frente revelava minha alvura completa, minha languidez e musculatura inumana. Dei um passo para trás, precisava agir rápido, ele não podia me ver assim, eu precisava fazer alguma coisa urgente ou eu colocaria tudo em risco!

Merda. Merda. MERDA.

Minhas pernas fraquejavam, quase não conseguia me sustentar em pé, meu corpo já estava seco, eu sabia o que devia fazer, passei por Theo indo em direção ao quarto, tão atrapalhado que esbarrei sem querer em seu braço no caminho e ele virou o rosto para o outro lado, obedecendo meu pedido inicial. Puxei a porta, deixando-a entreaberta, mas impedindo que ele pudesse me ver no quarto no cômodo ao lado.

-O que está acontecendo, Noto...?

Sua voz estava fraca e confusa, pude sentir horror também e aquilo me partiu de uma série de formas. Ele estava com medo de mim e nada podia me ferir mais que aquilo, afinal queria protegê-lo e agora ele devia estar pensando que eu era uma besta ou algo do gênero.

Vasculhei a cômoda nervosamente, procurando a pequena caixa contendo as cápsulas das bruxas. Que merda! Onde estavam? Olhei sobre a cama e nada, não estavam nos bolsos das roupas que usei, que droga! Eu praguejei uma série de maldições na língua dos deuses enquanto procurava pelo chão e escutei o choramingar de meu amigo, ainda fechado no banheiro, eu precisava me acalmar, aquilo só estava me atrapalhando, me deixando fora de mim. Eu havia ingerido aquela porcaria pela manhã, aqui no quarto, mas onde? Onde? Claro! Como eu era idiota! Eu havia deixado na mochila após tomar para não correr o risco de esquecer, rapidamente as achei e ali, com elas na palma da minha mão, por um instante, eu pensei se valia a pena, se tudo isso realmente valia a pena. Meu corpo era meu orgulho, minhas peculiaridades iam além de um par de olhos prateados e orelhas pontudas, eu podia só mandar Theo sair e pela manhã eu faria isso, mas a noite era o único momento nesse mundo que eu voltava a ser eu por inteiro. Podia parecer besteira, mas era algo importante para mim.

-Noto...

Sua voz temerosa me chegou como uma confirmação não solicitada enviada por seus próprios Deuses.

Sim, mil vezes sim, Steam!

-Só mais um pouco, eu prometo, Theo...

Coloquei o dobro da dose na boca e mastiguei ao invés de apenas engolir, torcendo para que assim o efeito surtisse o quanto antes. Que droga, meus olhos escorriam, eu tinha que ser forte e racional agora, desgraça, não tinha tempo para aquilo, simplesmente não tinha tempo para ser sentimental, além da água, eu era fogo! Logo meu corpo começou a mudar e senti uma dor inimaginável, não apenas por estar sendo rápido demais e estar me retalhando parte por parte, mas porque era eu quem eu estava escondendo, era de mim que eu estava abrindo mão mais uma vez diante da pessoa para quem eu mais queria me revelar, mas ali, naquela hora, aquilo mais do que valia a pena, era pouco diante do que estava disposto a fazer. Minha carne queimava, era um calor que não me era suportável, tudo em mim se retorcia, eu sentia meus olhos querendo sair de suas órbitas, minhas entranhas pareciam estar dando um nó, minhas vísceras reviravam-se, eu grunhia, caindo de joelhos no chão, saliva escorrendo pelo canto da boca, "só mais um pouco, Theo", e logo como veio, a dor cruciante se foi, mas as lágrimas não, escorriam sem parar, sem meu consentimento, além da minha vontade. Tudo em mim ardia, repuxava e por fim, sentei-me pateticamente no chão, a cama impedindo minha queda, segurando minhas costas, arfando pesadamente, minhas pernas como se estivessem presas ao solo. Tudo isso não demorou mais que 10 minutos, mas Theo não saiu daquele banheiro, sequer tentou me espiar, sequer tentou fugir, o que seria mais do que compreensível e eu agradeceria eternamente por isso.

Steamboy(s)- GHOST- NOTOOnde histórias criam vida. Descubra agora