Me sentei na cadeira enfrente a mulher que me observava através daqueles óculos de graus. Tentei cruzar as pernas e estampar um sorriso no meu rosto, tudo para esconder o meu nervosismo.
— Melinda Kingston, correto?
— Sim!
— Certo. — Jogou uma cópia do meu livro sobre a mesa. — Eu li sua obra e infelizmente nós não poderemos publicar.
— Mas por quê? — Franzi a testa.
— Vamos se dizer que sua história não se enquadra ao que estamos procurando.
— Não se enquadra? — Dei uma risada de nervoso, uma mania que eu costumava detestar em mim. — Mas o que isso significa? Todos os meus amigos que eu apresentei a obra, adoraram.
A mesma pegou novamente o livro, folheou algumas páginas e começou a ler pra mim.
—"Eu me sinto tão entediada." Murmurou. "— Não sei mas o que fazer para me sentir viva outra vez."
Ela parecia realmente exausta daquela situação, era nítido, podíamos notar perfeitamente pelo seu tom de voz e com a forma que ela suspirava pesadamente. Suas palavras faziam questão de pesar á cada frase que ela formulava. Sua expressão decaída e seus gestos também denunciavam o que eu já imaginava.
"Pensei que essa fosse a melhor saída..." Arqueei as sobrancelhas como se fosse uma raridade o fato de estar errada. "Mas vejo que não, então, sinto muito."
"Não. Você não sente nada, é como eu. Se sentisse alguma coisa provavelmente não teria me entregado um conselho tão errado."
Eu dei risada.
"Não seja dramática, Gia. Acha isso porque pensa que não tive um pingo de empatia com você..."
"Mas foi exatamente isso, você não teve." Me interrompeu como a sem educação que costumava ser.
Mirei seus olhos com mais intensidade, como se isso não pudesse se tornar ainda mais dramático. Tínhamos um roteiro para quando esse momento chegasse, e chegou, mas não foi como planejamos. Acontece que Gia era uma garota que infelizmente acabou se perdendo dentro do labirinto que era sua mente, após não se encontrar, entrou em desespero e cometeu o tão famoso... Suicídio. Agora ela me culpa. Culpa céus e terra por isso não ter lhe entregado o tão sonhado, resultado. Pensava que depois que morresse, ela simplesmente entraria em um descanso eterno, mas ela se enganou e aquilo não tinha volta.
"Nós tínhamos um trato!" Exclamou após se levantar e espalmar as mãos sobre a mesa. Suas lágrimas rolavam insistentemente por suas bochechas rosadas. "Você me disse que eu teria paz interior." Choramingou.
"Isso não passava de um teste, Gia, e você errou feio." Cruzei os braços e inclinei a cabeça para o lado. "Não tem como obter, paz interior, se você não estiver bem consigo mesma."
"Está parte você não havia me dito."
"Porque era realmente óbvio."
"Então me leve de volta!" Ordenou.
"Não posso, não tenho como te devolver o ar da vida."
Gia balançou a cabeça em negação. Se virou de costas para mim e depois de longos minutos em silêncio ela perguntou:
"Se é mentira que a morte é a solução, então vim para este mundo somente para sofrer?"
"Não. Ninguém vem ao mundo apenas para sofrer."
"Parece que eu sou a excessão..."
"Não era. Você tinha uma chance e á desperdiçou!"
Gia se virou novamente.
"Eu não entendo."
"Você achava que morrer resolveria todos os seus problemas, me culpou por induzi-la a isto, mas acontece que esse é o meu trabalho."
"Eu sei. Matar, roubar e destruir. Você é o diabo que me trouxesse até o inferno. Seu trabalho é apenas enganar, não sei como fui burra o suficiente para achar que seria diferente... Agora estou novamente te dando ouvidos, como sei que não mentirá novamente?"
Após ouvir sua pergunta, não me contive, eu precisava me levantar e ir até ela. Nos encaramos por uma fração de tempo até que suas pupilas dilatassem e ela se desse conta do espelho em que eu havia me transformado.
"Não existe céu e inferno quando o assunto é o seu interior. Assim que você desistiu de tentar, um espelho se pós a sua frente, Gia." Segurei suas mãos frias. "Quando estamos quebrados por dentro, esquecemos que somos nós por nós mesmos. Você só precisava cuidar do seu interior, mesmo que seja uma dor insuportável, todos temos o poder de drenar qualquer situação. Após morrer, somos obrigados a encarar nós mesmos. Então seu inferno é estar preso no seu subconsciente. Enquanto você respirava, ainda havia alguma chance de você sair desse labirinto e se expandir."
"Você continua jogando na minha cara que não tenho mais saída!"
Fechei meus olhos com força. Gia ainda não havia compreendido o que eu gostaria de passar. Estávamos falando sobre seu subconsciente e a forma que ela deveria ter á drenado, se ao menos ela prestasse atenção, saberia que o fato de estar frente a um espelho, significava que ela só precisava fazer as pazes consigo mesma. Afinal, ela sou eu, e eu sou ela. Se ao menos ela compreendesse. Por fim, Gia passou o resto da sua existência colocando na mesa tudo que ela idealizava ser certo. Ela se culpava, se martirizava, colocava em jogo situações passadas... Mas não tinha coragem de parar sequer um momento para a parte boa que existia em seu interior.
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Cabana
RomansMelinda Kingston é uma universitária com um sonho "quase" falido de ser escritora. Com as aulas se encerrando, seus livros sendo rejeitados por todas as editoras e sem nenhuma outra perspectiva para o que vem depois, a garota resolve tirar uma seman...