1.2

22 11 39
                                    

O colar que Agatha havia colocado em meu pescoço, era uma tira de prata que sustentava uma pequena pedra, que aos meus olhos mudava de cor diversas vezes. Se tratava de um minério um tanto raro, retirado do jardim do Éden, antiga morada de Adão e Eva. Ela disse depois que o colar era apenas uma fonte energia mágica necessária para realizar as transformações, magias, porém estando em posse de um humano não teria efeito algum, e nada mais que isso. Eu apenas concordava o tempo todo enquanto olhava um tanto hipnotizado aquela pedra.
Os dias se passaram, e continuei sem ver outra viva alma, a não ser a de Agatha no castelo, sempre fui uma pessoa introspectiva então a solidão, em muita das vezes me vazia bem. Cheguei a conclusão que o pós morte seria apenas um sonho, uma projeção do subconsciente, e que cada pessoa era trazida para sua própria fantasia, fadada a passar o resto da eternidade. Eu estava completamente errado.

-você está evoluindo Thomas, acho que podemos conversar um pouco mais sobre sua missão- disse Agatha segurando uma taça dourada. Era minha segunda ou terceira semana naquele lugar, sou péssimo com datas. Estávamos na sala de jantar do castelo, os pratos já estavam com as migalhas, e me arrisquei a experimentar o mesmo vinho que ela. Futuramente viria a tornar um exímio degustador.
-posso saber sua idade?- perguntei e levei minha taça até os lábios.
-em novembro completo mil e quinhentos anos- sorriu Agatha em resposta.
-M...- me engasguei com a bebida, e recebi uma boa gargalhada da agora mais velha.
-estou bem conservada não?- ela bebeu mais um gole do vinho enquanto se gabava.
-nem fiz trinta e já estou uma batida de trem- lamentei. Era especialista no quesito humor autodepressiativo, e não me julguem, é sempre bom fazer piada da sua própria desgraça.
-próxima pergunta Don Juan- brincou sorridente.
-eu quero saber mais sobre as caixas, com todos os detalhes possíveis, quero estar preparado- falei colocando a taça de vinho sobre a mesa, estava apenas uma cadeira de distância, então virei meu corpo para ficar frente com ela. Diferente de mim, Agatha se manteve imóvel, fitava as chamas na lareira.
-cada caixa tem um número, 1, 2 e 3- enquanto falava, com os dedos ela fez a numeração. -dentro delas existe uma chave, cada chave para uma respectiva porta. Você vai atravessar a porta e ser enviado até onde sua primeira vítima precisa ser salva, você chega com exatas vinte quatro horas antes do homem ou mulher resolver dar o fim em tudo- Agatha finalmente olhou para mim, como deve ter olhado para milhões de outros suicidas como eu depois dessa explicação. Eu achei simples, teria tempo suficiente, até imaginei várias cenas em minha mente sendo um herói.
Se fosse um homem a vítima, me transformaria na mulher mais linda que ela já viu e suplicaria com meu enorme par de seios para o pobre cavaleiro desistir, diria que ele teria uma longa vida pela frente. E se fosse uma mulher, bem, eu apareceria em forma de galã de novela ou em um cantor sertanejo desejado e mais uma vez salvaria o dia.
-não é tão simples assim Thomas- Interrompeu Agatha e quase me assustei. Ela nunca confessou poder ler a minha mente, sempre dizia que tinha um forte dom de intuição, que nós humanos, pelo menos a maioria não conseguia esconder sensações. -me responda, as pessoas quando decidem acabar com a própria vida, elas pensam em sexo?, ou em um famoso?, você acha que isso vai salvar elas do fundo do poço? salvaria você Thomas ?- ela não tinha mais o sorriso no rosto. Eu não respondi, senti um nó na garganta e um vontade enorme de chorar, mas controlei minha respiração na medida do possível.
-desculpe o pensamento, é a minha primeira vez no ramo- tentei quebrar o clima e funcionou. Agatha voltou a sorrir, um sorriso fraco porém sincero.
-desculpe pegar no seu pé, só estou cansada- ela confessou e voltou a olhar a lareira.
-por que ninguém conseguiu completar o desafio ?- essa era a primeira pergunta que eu queria ter feito.
-o homem, em sua essência não sabe lidar muito bem com sentimentos, principalmente quando lhe diz respeito ao próximo. Vejamos o seguinte, quando foi que você falou sobre oque estava sentindo emocionante para sua mãe?- Agatha perguntou.
-nunca- respondi.
-e se você falasse, pedisse um conselho, oque ela responderia pra você?- ela me perguntou e agora estava passando o indicador pela borda da taça.
-que é uma fase, ou frescura, que todo mundo tem problemas, e se bobear falaria que é falta de Deus- soltei uma risada, de incredulidade é claro. Fiquei bastante surpreso com a naturalidade que respondi aquilo.
-corretíssimo, se sua própria não sabe lidar com sentimentos do filho, você cresce e não sabe lidar com o seu filho, tudo faz parte de um ciclo. Estamos filosoficamente e socialmente atrasados, agora imagina no momento em que você ultrapassar aquela porta, como você vai convencer um estranho a não pular de uma ponte, ou colocar uma corda no pescoço?- era uma pergunta retórica.

Então meu caro, se você ainda está lendo, já deve ter percebido o tamanho na minha ingenuidade. Por que diabos, no dia em que eu subi naquele parapeito nenhum mensageiro, ou anjo, demônio, a porra que fosse, apareceu para tentar me impedir de pular?. Era exatamente isso que eu perguntaria pra ela, mas ela sempre conseguia ser mais rápida.
-por que ninguém salvou você?- ela me interrompeu pela segunda vez. -beba mais um pouco de vinho, você vai precisar- sugeriu Agatha e com um estalar de dedos minha taça estava cheia.
-só uma duvida antes de tudo- falei depois de um gole no vinho, estava sentindo meu rosto esquentar. Ela não havia percebido a minha outra dúvida, por isso permaneceu quieta, talvez nós humanos somos bons em esconder aquilo que realmente queremos.
-ja que você é responsável por pessoas como eu, suicidas, alguma vez, durante mais de um milênio de vida, já tentou acabar com tudo?- perguntei.
E agora analisando o passado, posso dizer que, minha ingenuidade estava tão gritante. Nada das caixas era real, e eu descobriria isso da pior forma possível.

Expulsos do Paraíso - Sangue e RebeliãoOnde histórias criam vida. Descubra agora