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Meus olhos já estavam se adaptando com a noite escura e fria naquele vale. Meu ombro esquerdo estava dolorido e minha cabeça aos poucos ia assimilando a situação.
Mamon já estava em pé e analisava o corpo morto do anjo. Enquanto Agatha olhava pra mim, provavelmente esperando algum tipo de surto, mas não tive.
O poder angelical era realmente forte, um brilho sufocante e intenso, capaz de sucumbir uma mente fraca. As vezes me pergunto como sustentei tamanha influência daquele anjo, ele estava tão próximo do colar, oque me impediu de entregá-lo?. Passei um bom tempo imaginando que a Pedra do Éden era a responsável por me salvar das urgências que ainda me aguardavam. Não estava totalmente certo.

-você está bem Thomas- perguntou Agatha ofegante. Ela se aproximou um pouco mais.
-eu acho que sim- sussurrei e meu corpo estava um misto de sentimentos.
-o pior já passou certo ?, agora estamos seguros e precisamos partir, você entende não é?- sua mão repousou no meu ombro, não o machucado. E seu toque me fez acalmar um pouco, sim, ela havia salvado minha vida e a de Mamon, e naquele momento eu não conseguia formar uma frase de agradecimento. A imagem de Agatha com respingos de sangue no rosto, brandindo uma grande espada. Parecida com a de Lúcifer, porém, sua empunhadura não era cravejada com tantas pedras vermelhas. Era um sinal pra mim, um despertar para a realidade daquele lugar. Não era um sonho, eu não voltaria pra terra, não havia outra saída. Estava em Celéstia, em meio uma guerra, e ao lado dos demônios.

-só estou um pouco em pânico, preciso de um tempo, mas estou bem- tentei sorrir e nossos olhares se fixaram por alguns segundos. Sua beleza era misteriosa, encantadora. Eu cairia em todas as mentiras que ela contasse, e faria tudo que ela pedisse, e provavelmente ela sabia disso. Meu lado sensato, que no meio da nossa troca de olhares era mínimo, questiova sobre os mistérios que encobriam a vida da mais velha.          Havia mentiras desde o começo entre nós, Azazel havia sugerido que tudo não passava de um teste, ou uma simples diversão. Em seguida vinha a suspeita sobre sua origem, sendo a única figura feminina entre os demônios.
Estava louco pelas minhas respostas, e mais louco ainda por estar encantado com aquele olhar profundo e hipnotizante de Agatha.
-temos tempo- ela respondeu com um sorriso fraco.

Lúcifer, Azazel e outros demônios se aproximaram a nós, todos estavam armados, e Agatha relatou tudo oque tinha acontecido minutos antes.
Mamon terminou sua análise minuciosa ao corpo do anjo, e me disse mais tarde que quando mortos, a graça era extinta e o corpo perdia todo o brilho.
-e os outros no acampamento? fugiram?- Agatha perguntou e agora sua espada descansava no coldre da cintura.
-eram apenas distrações- Azazel respondeu e notei certo tom de raiva em sua voz.
-o anjo que seguiu vocês, conseguiu criar uma miragem e aqueles pontos dourados que voavam pelo acampamento não passavam de uma duplicata mal feita- agora Lúcifer quem tomava a fala -ele estava tentando rastrear- nesse momento a maioria dos demônios presentes olharam na minha direção. Fiquei envergonhado e olhei para meus próprios pés -ele não encontrou oque queria, já que o portador é humano, isento de poderes e o colar tem propriedades demoníacas que eu mesmo me assegurei, zero chance de ser rastreada- com seu olho bom, ele fitou o corpo estirado no chão e se aproximou -assim que ele viu a movimentação de Mamon e Thomas, partiu em direção- ele suspirou, como sempre, parecia cansado.
-ficamos esperando o ataque, e nada, e o tempo passou, e num piscar de olhos os pontos evaporaram, provavelmente no momento que ele foi morto aqui- Azazel completou e cruzou os braços.
-o quanto eles sabem tio?- Agatha se aproximou dele.
-sabem que eu não detenho mais meus poderes, e Miguel é inteligente, a essa altura deve mandar o anjos atrás de algum objeto que poça parecer suspeito, e que tenha o meu poder- ele respondeu a menor, mas seu olho ainda pousava no corpo. Pareceu, olhando um pouco distante, que Lúcifer não estava feliz pela morte. Ele chamou de irmão o seu próprio inimigo no acampamento, talvez ele enxergasse além daquela armadura, e em seu peito, a redenção sempre seria uma alternativa.
-algo não está certo- Mamon falou e toda a atenção foi voltada para o mesmo.
-estamos ouvindo- disse Azazel.
Um demônio trazendo uma enorme bolsa preta se aproximou dos demais. Ele era forte, mas não tão alto, tinha um cabelo curto e a barba estava rala. Se aproximou de Agatha e lhe entregou a grande bolsa. E não consegui ouvir a conversa entre os dois, falavam muito baixo.
-anjos são poderosos, e todos nós sabemos disso, mas são poucos- Mamon distribuia o olhar para todos ali e prosseguiu -não podem simplesmente enviar um único anjo, sabendo que estamos em maior número, tem alguma coisa que não estou conseguindo enxergar, e deve ser exatamente isso que Miguel quer- ele encerrou a fala com seu tom monótono de sempre.
-esse aqui é um Serafin- concluiu Lúcifer voltando sua atenção para o corpo.
-Serafin?- foi minha vez de entrar na conversa.
-a classe mais baixa dos anjos, é quase certo que sim- Lúcifer me olhou rapidamente e voltou atenção para o chão -contudo, não vou descartar as suspeitas de Mamon. Miguel está tentando nos atrasar, mas ainda acho improvável- ele coçou o queixo -precisamos partir o quanto antes- ele me olhou.
Nesse momento senti medo, nunca  senti tanto medo na minha curta vida. Fiquei apavorado, eu não sou e nunca serei um herói, e não era possível que eles não enxergassem isso.
As pessoas que lerem minhas anotações, eu peço desculpas antecipadas. Isso não se trata de uma jornada do herói, eu não sou o homem que chega a um reino mágico e totalmente novo, e com o tempo me torno um grande guerreiro, e salvador dos demônios. Eu sou fraco, eu tirei minha vida por não aguentar a pressão. e isso me torna um perdedor. Ficar me ferindo nessas folhas talvez se torne um pouco enfadonho, mas eu preciso deixar claro pra você leitor curioso, eu realmente sou apenas a carga. E esse era meu conflito interno, desde aquela noite no vale escuro.
Agatha, Azazel, Lúcifer, Mamon e quase dois mil demônios, eles sim eram os guerreiros. Eu estava com eles, e tínhamos o destino, a liberdade e a queda de Miguel.

Abri e fechei as mãos várias vezes, era um tique sempre quando me sentia ansioso. Reuni o resto de coragem que havia dentro de mim, e chamei Lúcifer para uma conversa afastado dos demais. Agatha se juntou a Azazel e percebi alguns olhares curiosos vindo de ambos. Mamon olhava as montanhas, talvez estivesse calculando o tempo que levaria para alcançarmos o topo. E quando finalmente nos afastamos perguntei:
-você deveria fazer isso...
-fazer oque Thomas ?- ele franziu o cenho.
-pegar seu poder denovo, resolver seu problema com Miguel, eu não consigo ver sentido nesse plano de me enviar- confessei e precisei controlar minha voz, esconder o nervosismo.
-eu não posso...
-e você acha que eu posso?- perguntei na intenção de mostrar o qual bizarro era aquilo. Enviar um mortal para morte, com uma pedra poderosa que os anjos levariam pouco tempo para descobrirem o objeto.
Lúcifer fechou o olho bom e suspirou, se quisesse me convencer daquela loucura, ele precisaria ser totalmente sincero comigo. Com sua mão direita, retirou um pequeno bolo de papel amarrado com uma tira, entregou em minhas mãos e fitou meus olhos.
-tem a resposta que você precisa- e balançou a cabeça -eu não queria que fosse assim, se eu pudesse acabar com esse mal que dominou a mente do meu irmão, eu já teria feito a anos- sua voz era áspera, e sua raiva parecia mais um lamento -é minha última chance Thomas, preciso que me ajude- sua mão pousou em meu ombro recém apertado por Agatha. E tive a mesma sensação de alívio e calmaria.
-eu entendo, e sinto muito por toda injustiça, e opressão que vocês estão passando- tentei soar racional o suficiente. Queria deixar claro que eu não fazia parte de uma batalha com seres poderosos -sua causa é nobre, mas você entende que eu sou apenas um suicida?, um humano sem poderes ? está visível pra você isso ?- abaixei meu olhar.
Lúcifer ergueu meu rosto com o queixo, seu toque me fez arrepiar. Eu sabia que partiria aquela missão, não importava o tamanho da minha relutância.
-Thomas, vai perceber que o destino não é apenas uma palavra comum, que não está relacionada apenas com o acaso. Você foi escolhido, você se mostrou forte, e talvez nem acredite nisso. É confuso, por isso escrevi tudo que você precisa saber, e isso vai ser de suma importância pra sua missão.
Você pensa que é fraco pelo que fez consigo mesmo no passado, eu lamento discordar disso. O destino estava trabalhando a muito tempo, e agora você tem a chance de provar, pra você mesmo, pro seu passado. Talvez seu lugar não fosse na Terra, oque quero dizer é que, Celéstia é sua segunda chance, agarre ela, viva, faça parte da história do nosso reino, você pode ser um dos nossos, mesmo sem poderes, mesmo sem saber lutar. Com o tempo, e se tudo correr da forma certa, podemos passar os anos vivendo aventuras por esse reino novo, isso não te instiga ?- ele me olhou, e parecia um pai. Do tipo que tranquiliza o filho no primeiro dia de aula no jardim de infância.

Sim, estava morto, acabei parando em um reino totalmente desconhecido e mágico. Mas agora eu tinha medo de morrer, se é que era possível.
As palavras de Lúcifer fizeram meu coração esquentar, eu estava louco pela descoberta. Viajar toda Celéstia e viver toda sua cultura e seres que a habitavam. Mas em meio a uma guerra?, a mais importante que iria determinar a história angelical dali pra frente? isso me deixava temeroso.

-instiga sim, eu irei, levarei a colar até Miguel e esperar que tudo seja resolvido- sussurrei com um sorriso fraco.
-quando estivermos prontos, você já saberá oque deve fazer, por enquanto o principal é sua partida imediatamente- o mais velho balançou a cabeça
-iremos todos ?...
-não, você, Azazel, Mamon e Agatha vão partir por um caminho diferente. Enquanto eu e o resto iremos seguir o plano e ir até o Vale de Rebélia...
-certo, posso fazer uma última pergunta ?...
-faça...
-eu estou dando minha palavra a você Lúcifer, eu irei e farei o possível para concluir o seu plano, mesmo achando isso uma loucura- confessei e ele riu.
-onde quer chegar?...
-sem rodeios, e frases de efeito, apenas me responda rapidamente, qual motivo de você mesmo não enfrentar ele?- me referindo a Miguel.
Lúcifer ficou em silêncio, talvez impaciente pela minha curiosidade, ou apenas feliz pois achava que eu era realmente o cara certo para ser o portador. Ele levou a mão até a altura do rosto, levantou a parte do tecido do tapa olho que cobria o lado esquerdo.
Meu queixo caiu. No lugar onde antes deveria haver um olho saudável. Agora naquela cavidade ocular era preenchida por uma espécie de esfera escura. Não sabia dizer qual era seu estado, as vezes parecia líquida outras gasosa, em certo momento pensei que fosse uma pequena pedra. Ela se movia, presa na cavidade ocular de Lúcifer.
Engoli a seco e dei um passo pra trás, reuni ainda mais forças para perguntar:
-oque é isso?- apontei na direção daquela coisa asquerosa.
-Escuridão.

E partimos pouco tempo depois, Azazel carregava a enorme bolsa, que continham alguns suprimentos básicos. Mamon ia na frente, sempre analisando o caminho. Agatha e eu íamos na retaguarda, em silêncio, lado a lado.
Era apenas o começo da minha jornada de portador.

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⏰ Última atualização: May 19, 2023 ⏰

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Expulsos do Paraíso - Sangue e RebeliãoOnde histórias criam vida. Descubra agora