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Depois que terminei de ler oque considerei uma carta ou uma espécie de relato, me senti um pouco menos confuso, ainda com medo e sem conseguir assimilar meu papel em tudo isso. Tive uma noite de sono inquieta, sem pesadelos, já bastava a realidade.
Estar do lado de Lúcifer, era uma ironia do destino. Não querer estar vivo, e agora estar, além vivo no meio de uma possível guerra celestial também.
Não queria, pensando em tudo que eu passei, fazer parte dessa revolta não fazia parte de quem eu era, um simples mortal. Entretanto tive medo que talvez a Terra fosse afetada, que pessoas pagariam pela inimizade de anjos e demônios.

Já estava acordado quando Agatha entrou na tenda segurando um pequeno lenço que parecia envolver algo.
-melhor se levantar- falou ela parando em minha frente. Apenas balancei a cabeça e obedeci. -é pra você- e estendeu o pacote na minha direção, eu segurei um pouco relutante.
-oque é isso?- perguntei, essa era minha única função, indagar.
-abre logo- Agatha pareceu impaciente e um tanto ansiosa.
Eu retirei o tecido que servia como embrulho, e se tratava de uma lâmina. O metal era reluzente e escuro, a empunhadura era simples sem detalhes, suspeitei que ela havia sido forjada ali mesmo no acampamento.
-você me disse que eu não iria pra guerra- falei ainda analisando a arma.
-e não vai, esse mundo é maior do que você imagina, a diversas criaturas...
-não podia ficar melhor...
-olhe Thomas!- Agatha estava séria, eu não queria absorver o senso de urgência que ela expressa.
-eu só estou tentando entender, você me chama de carga ontem, não demonstrou sensibilidade com minha inevitável morte...
-minha nossa quanto drama...
-eu não sou como você Agatha, uma feiticeira guerreira com um tio super famoso- confessei e não estava com raiva, apenas cansado e com muito medo. Não conseguia sentir raiva dela, era a minha única companhia, e não se preocupem, não tem nada de romântico nisso. Sempre tive problemas com relação interpessoal, fui um adolescente tímido, e me tornei um adulto solitário. O homem consegue desenvolver certas dependências em situações desesperadoras.
-qual o seu principal objetivo?...
-não ser descoberto...
-exatamente...
-e por mais que minha intuição, dedução diga que o risco é mínimo, você precisa estar preparado...
-sou todo ouvidos...
-espero que um dia que possa lhe oferecer uma taça de vinho, e assim conversar por horas e horas, o tempo está se esgotando...
-eu entendo- concordei apenas para colocar um fim naquele assunto. Talvez seres angelicais tivessem um certo desprezo em relação a sentimentos, ou vissem isso como fragilidade, com o tempo me acostumei. E de certo modo havia razão nesse comportamento, a afeição pode ser perigosa.

Antes de dormir, fiquei de uma forma bem grotesca diga-se de passagem, fingindo estar lutando com alguém imaginário. O som da lâmina cortando o vento era baixo, subi e desci desferindo vários golpes no nada. Até que meu corpo, principalmente meu braço cansaram do excesso de movimento, e o sono veio.

-Agatha me pediu pra lhe ensinar a lutar- disse o homem, que momentos atrás havia me acordado.
Ele era jovem, pelo menos fisicamente, julgaria ter menos que trinta anos. Posteriormente saberia que era mais velho que a própria Agatha.
Era alto, e não que eu fosse forte, longe disso, porém ele era o dobro do meu tamanho. Robusto e com um malfeito moicano na cabeça, pensei que um gamba havia pousado em sua cabeça, óbvio, guardei esse pensamento para mim mesmo, um soco desse homem me mataria pela segunda vez.
Ele usava trajes escuros, como todos os homens no acampamento. Eu estava terminando de amarrar meu colete, coloquei a lâmina na bainha da cintura e segui com meu novo professor para fora da tenda.

-me chamo Thomas- resolvi quebrar o silêncio enquanto andávamos.
-Azazel- disse o grandalhão.
-ira- sussurrei e ele pareceu escutar.
-ira ?...
-sim, de onde eu venho o seu nome representa um pecado capital, a ira...
-maldito Raphael- amaldiçoou o homem.
-o anjo ?...
-quase, ele é um Virtude...
-existem mais tipos de anjos ?...
-uma hierarquia completa...
-nossa- falei um tanto fascinado, não podia negar estar interessado. decobri que Azazel apreciava uma boa conversa, e era um exímio contador de histórias.
Ele ignorou minha surpresa e continuamos nossa caminhada, alguns homens começavam a se levantar de suas tendas, passavam por nós e todos sem nenhuma exceção cumprimentaram o grandalhão do meu lado.
-os Virtudes são anjos responsáveis pelas leis regentes, e também pelas escrituras...
-Raphael é o líder desses Vitudes...
-sim, todas as leis de Celéstia foram criadas por ele, e ele tem o poder de mudá-las quando quiser...
-Deus permite ?...
-o Pai está doente...
-como isso é possível?- me lembro que sempre tinha que erguer minha cabeça o máximo que conseguia pera ver o rosto de Azazel, um pequeno sacrifício necessário.
-nos dias de glória, a muito tempo atrás, nosso pai subestimou a Escuridão e tudo de ruim que ela representa, agora ele está pagando por isso, graças ao...
-Miguel...
-exatamente, você parece inteligente garoto...
-Agatha apostaria o contrário- ele respondeu com uma risada.
-Agora Raphael está do lado dele, e ele tem o poder das leis, e foi ele o responsável pela as escrituras que o seu povo segue, ele soprou as mentiras para os escribas que apenas as reescreveram, como vocês chamam ?...
-bíblia...
-isso, e sobre Agatha, o tempo vai quebrar aquele coração de ferro, ela está tensa devido a guerra que se aproxima, tem o jeito durona, é única mulher aqui no acampamento como pode ver...
-sobre isso...
-não, não sou a melhor pessoa pra isso...

Eu não quis instigar mais, agora o relato que Lúcifer me dera tinha um novo olhar. Miguel é um usurpador, e quem recebeu a fama de maligno havia sido justamente a pessoa que lutou contra o verdadeiro inimigo. E durante mais de dois mil anos, nós homens condenamos o e serviamos as entidades erradas.
Graças a Azazel, uma pequena pontada de esperança surgiu dentro de mim, ainda era cedo e eu sabia disso. Queria saber mais sobre as histórias de Celéstia, e oque exatamente era essa Escuridão, e qual a dimensão de sua destruição.

-coloque sua perna esquerda pra frente- ordeneu Azazel. Estávamos em uma pequena área descampada fora no acampamento. Virei meu meu corpo para obedecer seu comando, o grandalhão estava a dois metros de distância.
-ótimo, agora coloque a lâmina na altura da sua cintura, apontada para frente- mais uma ordem e mais uma vez obedeci.
Minha mente me levou para longe, me imaginei com uma armadura dourada e liderando um enorme exército. Montado em um lindo cavalo branco, igual o filme em que o mago vestido de branco aparecia para salvar todos de um possível massacre medieval.
Meu lado racional, claro que excluiu essa fantasia rapidamente, mas eu não poderia deixar de pensar. Mesmo minha missão sendo de portador da Pedra do Éden, seria levado escondido enquanto a verdadeira guerra acontecia. Eu pensei, como seria se em alguma ocasião, situação de emergência, em que minha vida estivesse correndo risco eu precisasse matar alguém?. E receio lhe informar meu caro, esse dia com certeza chegaria.

-nunca balance muito sua arma, você não está em um conto de fadas...além de cansar, você dará abertura para receber um golpe e pronto, fim da linha morto...
-que bacana- sorri desesperado. Azazel apenas ignorou.
-use o peso da perna direita como impulso, e espete a lâmina pra frente...
-só isso?...
-quer um matar o inimigo ou brincar de casinha?- Azazel falou impaciente.
Eu fiz exatamente oque ele pediu, usei o ombro direito junto com perna e joguei meu peso pra frente, espetei o ar, a lâmina estava na altura do meu rosto.
-mais baixo, você precisa acertar a barriga, ele pode estar usando um elmo, e o rosto tem muito ossos, você não vai pra guerra...
Eu balancei a cabeça, e minha perna esquerda estava adiante novamente, usei o ombro, impulso, espetada, agora mais baixo.
-mais rápido...
Ombro, impulso, perna direita, espetada, mais baixo.
-está tremendo garoto...
Respirei fundo. Meu rosto começava a brilhar por conta do suor, mesmo a luz solar sendo quase inexistente, o ar era seco.
Ombro, impulso, perna direita, espetada, barriga.
-denovo...

Ficamos o dia inteiro repetindo aquele movimento. As vezes Azazel vinha até mim e me chacoalhava, dizendo que eu precisa ser mais firme, mais rápido.
Não reclamei, qualquer coisa melhor que o confinamento na tenda. Além do mais minha mente parecia se esvaziar nesses momentos. E o fator principal, era minha defesa que estava em jogo. Por isso os dias foram de passando, eu aprendi novos movimentos, usava um toco de madeira como inimigo, e Azazel sempre exigia firmeza e rapidez, eu ofertava meu máximo, e depois era recompensado com algumas histórias.

Expulsos do Paraíso - Sangue e RebeliãoOnde histórias criam vida. Descubra agora