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Azazel usou um galho para fazer um círculo no chão, eu o observei sentindo certa apreensão. Na noite anterior ele havia me informado que já estava na hora de treinar com algo que não fosse um toco de madeira.
O grandalhão terminou o círculo e lançou o galho fora, olhou nos meus olhos e com a mão, fez um sinal para que eu me aproximasse. Ele repetiu o gesto, agora, para outra pessoa, meu futuro adversário.

Já pessoa desculpas antecipadas, mas sou um péssimo descritor. Sempre amei ler e ouvir histórias, era a forma que eu usava de escapar da realidade, porém, nunca arrisquei a criá-las, e muito menos colocá-las no papel, acho que as pessoas recebem um dom.
Eu precisei escrever minha trajetória, agora que os anos se passaram, minha mente humana já não é a mesma e uso minhas escritas sempre que esqueço de algo, e elas ficarão depois que eu me for.

Mamon tinha a aparência juvenil, como de uma crianças que começa a entrar na adolescência. Como todos ali no acampamento, a aparência não condiz com a verdadeira idade, e como os outros, ele era séculos mais velho.
Era baixo e magro, sua pele era morena e os olhos bem observadores. Diferente de Azazel, era bem quieto, falava apenas quando necessário.

-você dois dentro do círculo- ordenou Azazel, e com um pouco de relutância que tentei não transparecer caminhei até o centro. Mamon me acompanhou e notei que ele sorria, isso fez minha perna tremer um pouco. -como ordem de Lúcifer, estamos restringindo o máximo de nossa magia e poder. O inimigo consegue rastrear a longa distância, então vamos precisar usar oque temos a nosso alcance- ao mesmo tempo que ouvia atentamente cada palavra, levei a mão até altura do peito, e por cima das minhas veste apertei o colar. A Pedra do Éden havia sido rastreada uma vez, no castelo.

-magia, feitiço, poder, tem forte influência quando estamos a certa distância. Quando ficamos a um centímetros do inimigo, uma lâmina cravada na jugular é bem mais letal que qualquer magia- ele me olhou nos olhos  e imediatamente abaixei o braço. -quem dos dois for mais derrubado, ou sair mais do círculo vai cavar fossa durante uma semana- Azazel sorriu, Mamon sorriu, já eu :

-você disse que eu não iria pra guerra- protestei.
-se você luta com qualquer criatura, você está em guerra com essa criatura- ele respondeu e foi o suficiente.
Já sabia que iria perder, perdoe meu pessimismo mas eu nunca tinha entrado em uma briga antes. Fiquei uma semana aprendendo movimentos, e nada mais que isso, meus únicos adversários tinham sido o ar, e um tronco de árvore.

Tento procurar uma palavra, e talvez seja "orgulho". Sempre que somos desafiados, ou nos sentimos reprimidos, passamos por situações de constrangimento. É da natureza humana aceitar certas coisas, apenas para provarem um ponto, ou defender a sua honra, e foi exatamente oque aconteceu comigo.

Ficamos a dois metros de distância, Azazel estava fora do círculo e cruzou os braços. Pensei que, talvez aquela não era a primeira vez que ele mediava, eu não sabia se anjos nasciam com habilidades de combate, ou se os renegados, como os homens do acampamento, perderam sua força, talvez não, era uma dúvida para o futuro.
Mamon me olhou de cima a baixo, e com seu sorriso discreto que começava a me irritar.

-prontos ?- Azazel perguntou olhando pra nós dois, e eu acenti, Mamon também. -então comecem, não temos o dia todo- ele murmurou e tudo aconteceu com certa rapidez.

Fisicamente eu perdia, por mais baixo e magro que ele fosse, eu conseguia ver os pequenos músculos definidos de Mamon. Na luta eu também perdia, ele era guerreiro de batalhas, e eu um mero espetador de madeira.
Mas existia um aspectos em que éramos iguais, ambos gostávamos de observar.
Tive uma ideia, posteriormente tentaria me lembrar de qual filme ou livro eu havia tirado. E pra dar certo eu precisava ceder um pouco, e foi exatamente oque fiz.
Mamon além de esboçar frieza e zero ânimo, eu via um tédio tão gritante. Ele provavelmente achou a situação ridícula, e faria o possível para terminar o mais rápido possível.

Recuei até o limite do círculo, coloquei a perna esquerda pra frente, deixando todo o apoio na destra. Respirei fundo e esperei.
Mamon inclinou a cabeça pro lado tentando adivinhar oque eu pretendia fazer, provavelmente acabando que eu iria fugir. E sem proferir uma palavra, ele disparou em minha direção com velocidade.
Levantei meus punhos fechados, e esperei até a distância ser mínima entre nós, e quando aconteceu, eu me joguei pro lado e por pouco não cai fora do círculo.
Mamon estava tão rápido que não conseguiu freiar a tempo, passou direto e por pouco não me agarrou. Sim eu estava no chão, mas ele estava fora do círculo, estávamos empatados.

-oque foi isso Thomas?, lute de homem pra homem, não vai conseguir escapar da morte se jogando no chão!- gritou Azazel.
-humano covarde- Mamon proferiu enquanto se levantava, precisei ser forte para segurar o riso, ele estava com o rosto coberto de terra.
-levantem os dois rápido, sem enrolação!- ordenou o grandalhão.

Lentamente fui levantando, sem tirar os olhos do meu adversário, o lado direito do meu quadril estava ardendo. Bati as mãos na calça para tirar o excesso de terra, e antes de me posicionar, Mamon já havia me agarrado.
Minha queda foi feia, minhas costas gritaram de dor, e ainda havia um peso sobre meu corpo.
Mamon se levantou com destreza, parecia estar fazendo uma atividade como outra qualquer. Ele se afastou e, com grande esforço virei meu rosto de lado, e vi que ainda estava dentro do círculo.

-acho que já terminamos por aqui- ele falou e seu tom de voz sempre era monótono, eu odiava.
-espere Mamon, Thomas você tá bem ?- Azazel se aproximou.
-um segundo- gemi.
-oque?- perguntou o grandalhão.
-só...preciso...de...um...segundo- falei enquanto fitava o céu escuro.
-só pode ser brincadeira, mande ele logo cavar as fossas, tá precisando criar uns calinhos nas mãozinhas de neném- debochou Mamon enquanto fingia tirar grãos de poeira da própria camisa.

Eu estava com medo, eu tinha orgulho, e agora estava com ódio. Fechei minhas mãos e assegurei de pegar bastante terra, respirei fundo e comecei a me erguer.
Estávamos frente a frente quando levantei mais uma vez minhas mãos fechadas, coloquei minha perna esquerda pra frente. Olhei aqueles olhos miúdos e julgadores, dei uma última respirada e falei :

-você está lutando com um humano que não sabe lutar, talvez não tenha estatura suficiente pra lutar com outros, nanico- na prática, pude perceber o quão difícil era elaborar uma boa frase de efeito. Mas funcionou.
Mamon disparou novamente, seu rosto era uma pedra, nem sei se minha fala havia irritado de verdade, ele sempre transmitia uma indiferença monótona. E quando a distância ficou mínima, eu joguei a terra que segurava na direção do seu rosto. E funcionou, ele tropeçou sem enxergar e tossia fervorosamente.
Azazel ficou inexpressivo, talvez por decepção ou por certa curiosidade.
Mamon ficou curvado tossindo e tossindo com as mãos no joelho, fiquei com pena confesso, mas logo passou, ele disse que minhas mãos eram de neném, a pior ofensa que eu havia escutado.
Usei um pouco de força, e agora eu
estava agarrando seu corpo. Ele era leve e não foi difícil derrubá-lo. Agarrei seu tornozelo e comecei a puxá-lo para fora do círculo, ele lacrimejava e tossia sem nem perceber que tinha seu corpo sendo arrastado.
Quando olhei para Azazel, ele parecia sorrir, mas ficou sério rapidamente.
Voltei para o centro do círculo e sentia todo meu corpo dolorido, contudo me sentia bem, estava feliz.
-acho que já terminamos por aqui- falei.

Expulsos do Paraíso - Sangue e RebeliãoOnde histórias criam vida. Descubra agora