NORTE A SUL - DOIS

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2.

Carlos estava impaciente com tudo que estava acontecendo nos últimos dias. O técnico do Américo futebol clube (AFC) revisava os últimos jogos. O time tinha uma história a zelar, reconhecida por ganhar muitas vitórias tanto no campo, quanto fora dele. Aquele que prega a democracia e dita a paz, esperança e igualdade.

 Ultimamente as notícias são contraditórias, como quando um de seu ex-jogador saiu da equipe por ter desrespeitado o clube feminino, e posteriormente são três derrotas. A pressão só aumentava para que ele tomasse frente como um verdadeiro técnico, e apesar de tudo ainda tinha que lidar com o fato de seu filho não avançar e suprir suas expectativas, afinal, ele o criou para ser um grande jogador.

Suplicando por minutos de paz, Carlos telefonou a secretária da escola de seu filho para avisar que seu motorista o pegaria mais cedo por conta do treino. O que não esperava era ouvir que o mais novo não fora a aula e que a coordenação estava tentando entrar em contato com sua casa, para falar sobre a situação escolar do outro.

 Muitos jogadores largaram os estudos em troca de seu sonho. Carlos não queria isso, seu filho pode conhecer os estudos, já que o mais velho poderia proporcionar das melhores oportunidades a João, era sua obrigação como pai prezar por isso.

Deixou tudo de lado para comparecer à pequena reunião particular com a coordenadora, a situação era clara; João se negava frequentar a escola. Aparentemente, seu problema se dava a dificuldade de aprender, tomar atenção às matérias. Carlos era rígido, mas sempre buscaria saber o melhor jeito de fazer tudo o que faz, João não era apenas um simples jogador, era seu filho.
No fim da reunião, prometeu a mulher que deu uma hipótese a João para recuperar suas notas com uma prova de nível, aulas particulares para que ele pudesse se alinhar aos outros alunos e seguir os estudos até o fim do ano de maneira correta. Ele o fará.

Só não sabia onde acharia um professor de confiança, era algo mais complicado.

                                                                            :):

Algumas pastas na mão e uma pequena Cybershot antiga. Caminhava pelas ruas da comunidade até a fachada dela, era bizarro o choque de realidade que Pedro tinha quando ele estava em seu trabalho na zona sul. A comunidade onde morava com seus pais era bem conhecida, pelo fato de ser perigosa. Os pais de Pedro trabalhavam duro para que nunca lhe faltasse nada, eles sabiam que seu caçula era capaz de muita coisa e um bom menino. 

A mãe de Pedro era a nova cozinheira de uma família muito importante, e apesar da diferença de realidade somavam muito. Carlos, o chefe dos pais do menino, ofereceu a ele uma bolsa no mesmo colégio que frequentava seu filho, e foi com ele que Pedro conseguiu seu primeiro estágio, também a pouco tempo. O pai de Pedro era motorista daquela família, e teve isso devido a uma indicação de sua mãe. Era o sonho de Tófani, ele queria tirar seus pais daquele lugar, mas não só isso, ele quer que seus amigos saibam que eles também são capazes de ter algo além daquele estado, seus vizinhos e familiares também.

O menino sempre chega do colégio, toma um banho e vai ao trabalho. Hoje era um dos dias que ele iria receber uma carona de seu pai, e antes de levar o filho a escola, homem parou na casa da família que trabalhava.

— Doutor, aqui estão os papéis que me pediu pra pegar — o homem estendeu a mão para o outro que pegou a pasta. seu chefe folheou os papéis e olhou diretamente a Pedro.

– não é você que começou um estágio lá no clube? – o menino concordou um pouco tímido, ele nunca tinha tido contato direto com seu patrão fora do trabalho.

– esse aqui é o meu garoto Seu Carlos, menino nota dez no colégio, em casa, no trabalho. Ele sabe fazer tudo e até ensinar – o motorista dizia com os olhos cheios de orgulho ao falar de seu filho, Carlos o invejava por isso, mas não de um jeito ruim.

– que isso, não é pra tanto – Pedro sorriu tímido, olhando a fachada da grande mansão.

– O João está saindo para ir à escola também, certifique-se de que ele realmente entrou, esse menino está me deixando sem cabelos, acredita? – Carlos brincou.

– Pode deixar Patrão, faz tempo que não vejo o menino, ele sempre prefere ir com o primo. – ele olhou pela janela, e ouviu um barulho que parecia ser o tal do garoto caminhando.

– Bom, estarei no clube em algumas horas, Pedro você poderia por favor passar na minha sala? – o menino assentiu. – boa tarde – O homem adentrou a casa e logo em seguida, Pedro conseguia ouvir um burburinho, e alguém saiu de lá. Ele era alto, estava com um boné para trás da cor rosa e assim permitia ver alguns de seus cachinhos. Era um menino bem ajeitado.

– Aí tio, num quero ir pra escola hoje não, Tô indo lá pro Renan tá? Cê fala pro meu pai que fui pra ele não ficar falando na minha cabeça – João apenas iria sair, mas o pai de Pedro o fez voltar.

– não senhor João, seu pai deixou bem claro pra não deixar você matar aula, garoto, assim você me complica. – ele falava de um jeito tão carinhoso que João apenas concordou, deu um tapa nas costas de seu primo e entrou no banco da frente do carro, ele nem olhou para Pedro, parecia não estar nem notando sua presença.

– Eu não aguento mais a escola, porque tenho que estudar se vou ser jogador? Meu pai pensa que vou fazer cálculo no meio do campo? que vou ditar uma redação quando ganhar algum novo título? Isso não serve pra nada – ele reclamava sem parar sobre como odiava a escola, o pai de Pedro contradiz o menino tentando explicar que era importante, ele sempre ouvia, mas continuava reclamando, aparentemente era bem mimado.

Eles estavam a caminho do colégio, e foi o trajeto inteiro ouvindo sobre como João odiava a escola, a vida e as outras coisas mais, ele falava sem parar como um papagaio e se Pedro pudesse já o tinha arremessado da janela. Agora eles estavam em frente ao colégio, Pedro mentalizou umas cinco ave Marias e saiu do carro.

– tchau pai – Pedro deu um beijo na testa do homem, e João tirou um pouco da atenção de seu celular para olhar o menino. Como ele não percebeu antes que alguém estava ali atrás? Se sentiu meio extasiado, todas as cores que enxergava antes pareciam ter sumido e seu foco estava na figura a sua frente, até algo estranho como um arrepio. 'O que diabos era aquela sensação? Credo - pensou o mais novo. Só voltou a cair em si quando o motorista o chamou, ele apenas saiu do carro e segundos depois já podia o ver sumindo devagar.


Camisa Dez - pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora