Botas de couro em uma estrada de terra. Roupas rasgadas e sujas de sangue e lama.
O céu claro e brilhante numa tarde de outono.
O cabelo comprido soprado por golfadas de vento frio.
E os olhos negros perdidos na vastidão do horizonte...
Passos solitários e sem rumo...
Caminhando até cair.
- Yue? – Amethista tocou em seu ombro e seus olhos se abriram de imediato.
Deitado na grama verde, ele não a ouviu se aproximar.
- Temos visitas.
Ainda deitado no chão, ele viu a outra figura se curvar sobre ele.
- Olá mano.
Ao lado de Amethista, a ultima das fadas-humanas estava de pé.
Saia marrom, regatinha verde e um colar feito de cobre e quartzo pendurado no pescoço. A sombra negra destacando o verde de seus olhos e o cabelo castanho escuro, quase preto. A pele branca refletia o sol e o sorriso animado contrastava com o batom escuro.
- Olá mana. – respondeu, sentando antes de se por de pé.
- Estava dormindo?
- Sonhando.
- Onde?
- Não "onde" e sim "quando"... Estava no passado.
- Seu lugar favorito. – e ela sorriu como se fosse piada.
Yue sorriu de volta e Amethista franziu o rosto.
Sim, era mais um daqueles sorrisos vazios que ele costumava dar, mas não tão vazio quanto todos os outros.
Quem era aquela garota, afinal?
- Eu não sabia que você tinha uma irmã. – Amethista falou, deixando transparecer um leve incomodo.
- Você deve ser a Amethista, não é? – a fada humana falou, sorrindo e analisando a garota ao seu lado que a ignorou completamente.
- Yue? – Amethista se voltou para o garoto como quem espera por explicações.
- Amethista, esta é...
- Folha. – a fada se apressou a dizer.
- Folha? Como papel?
- Como o que tem nas árvores.
Amethista desviou os olhos da Folha para Yue e então de volta para ela.
- Amethista... – falou por fim, se apresentando e estendendo a mão.
- Sim, eu sei. – e a fada sorriu. – Que belo lugar você tem aqui.
Folha começou a caminhar, apreciando a paisagem e o clima do jardim da Torre.
- É uma casa bem antiga. – e parou para contemplar a arquitetura. – Mas isso você já sabe. Tem fantasmas?
- Só os meus.
- Que sem graça.
Yue deu de ombros e a garota se aproximou, entrelaçando seu braço ao dele e respirando fundo, enchendo seus pulmões com a fragrância do lugar.
- E aí, como vão as coisas, mano?
- Sem grandes novidades. Tudo tão calmo quanto poderia estar... E você? O que vem aprontando?
- Tive um sonho com você.
- Conte-me.
- Não. – ela desviou o olhar. – Não é o tipo de sonho que deve ser contado. Mas foi o suficiente para me trazer até aqui.
- Pois então que você tenha mais sonhos como esse...
Folha não respondeu e apenas encarou Yue brevemente sem parar de caminhar.
- Eu trouxe um presente pra você. – ela disse por fim, antes de tirar uma sacolinha de couro que tinha presa junto a cintura e vasculhar seu interior.
Tirou de lá penas, ossos de pássaros e a carcaça de alguns besouros antes de finalmente erguer entre os dedos um pequeno objeto metálico reluzente.
- O que é isso? – Yue perguntou.
- Exatamente o que parece ser.
- Uma... Chave? Pequena?
- Seus olhos continuam bons. Será que um dia você vai precisar de óculos? – falou casualmente, se afastando dele e indo até algumas flores de pétalas negras. – Sim, uma chave. Havia um moço vendendo na cidade. Ele tinha alguns objetos muito interessantes, mas esse definitivamente combinava com você então...
- Você roubou.
- Eu comprei, besta. – e sorriu antes de recolher algumas pétalas do chão e guardar em sua bolsa de couro junto dos demais itens. – Tenho certeza que você dará um bom uso para ela.
- Muito obrigado, mana.
Folha voltou a se aproximar de Yue e segurou as mãos dele entre as suas.
- A magia nunca morre, Yue... Apenas adormece.
Então os dois se abraçaram e como se nunca tivesse estado ali, Folha desapareceu com o vento, deixando Yue com uma pequena chave entre os dedos e Amethista que não parecia nada contente a observa-lo.