Dessa vez a noite estava mais escura que nunca.
Sem estrelas e sem lua, o céu estava inundado por nuvens de chuva que volta e meia deixavam um ou outro relâmpago reluzir.
Os dois, descalços, sentiam a areia sob seus pés.
O mar sombrio só podia ser percebido pelo som do quebrar das ondas na praia e o vento gelado e úmido soprava e soprava, avisando que logo a tempestade chegaria.
- Como você se sente agora? – ela perguntou, com tensão na voz e seus dedos entrelaçados aos dele.
E mesmo sem ver, ela sabia...
Que no silêncio de seu parceiro havia um sorriso.
Não de felicidade e muito menos de alegria.
Mas sim aquele sorriso que ela tanto amava e tanto temia.
Então o vento soprou ainda mais forte e rajadas de areia se chocaram contra seus corpos onde a roupa não cobria.
Raios cruzaram o céu e no meio do clarão ela o viu com a mão direita espalmada para o alto.
Ele encarava seus dedos como se esperasse uma oportunidade para agarrar a própria tempestade.
- As vezes sinto vontade de arrancar a alma do mundo com minhas mãos e torce-la até se partir. – ele disse num sussurro cruel que a fez sorrir. – As vezes eu sinto como se minha própria alma que tivesse sido torcida.
E assim ela também olhou pra cima.
A seu lado ele inspirou fundo, lenta e profundamente, roubando do ar ao redor todos os sons e magia.
Sentiu um arrepio percorrer sua espinha quando o vento os envolveu num rodamoinho.
Sem perceber, ela apertou cada vez mais seus dedos junto aos dele.
E assim ele deixou o ar sair num sussurro...
Uma palavra antiga... Palavra nenhuma... Com um significado velho ou algo sem sentido...
Talvez uma ordem, um pedido, um desejo... Talvez nada disso...
E quando ela o viu apontar para o meio do mar, relâmpagos vindos de todos os lados cortaram o céu e desabaram sobre a água transformando noite em dia.
O trovão, num rugido grave fez seus corpos tremerem.
A chuva fria então começou.
...Mas eles nem sequer se moviam.
- A maior parte do tempo eu sinto... – dessa vez havia raiva em sua voz. Isso, melhor do que ninguém, ela sabia. – ...Que nada faz o menor sentido.
Sem dizer nada, ela se aconchegou junto a ele e apoiou sua cabeça em seu ombro.
E sentiu seu corpo quente, mesmo em meio aos jatos de água fria.
