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O fogo da pira irrompe em faíscas amarelas e laranjas, quando as luzes dos faróis dele deixam a caverna escura e uma nuvem de poeira alta e densa se forma no centro da arena. As brasas soltavam um cheiro fresco, como de menta e hortelã, e por algum motivo, isso deixaria as pessoas ainda mais excitadas, quase ao ponto de seus corações saltarem pela boca.

A velocidade da moto fazia a areia cinzenta subir, mesmo que o transporte não tocasse o chão. O rugido dela era mais alto e potente do que qualquer outro automóvel de sucata da Zona Baixa e era capaz de tremer a alma de todos ali, ainda mais do que o surto geral que apenas a ideia de sua presença causava.

A armadura dele do dia era como o vestido da governadora. Deveria ser branca, mas a cada ponto que a luz tímida do Sol, depois de atravessar todos os hologramas e balões desbotados, roçava as placas lisas de diamante, uma cor diferente refletia, deixando-o quase angelical, difícil de absorver. No final da primeira curva, ele salta da moto e deixa que, sozinha ela dê a volta na pira flamejante e retorne para a caverna escura. Ele deslizou por alguns metros na areia quente e grossa até parar, junto com a capa longa de cetim azul, que o seguia, sempre fiel.

O nome que a multidão gritava não era o real do guerreiro latino, mas isso não importava de verdade. O que importava eram os beijos, eram os lenços matizados lançados aos pés dele, os pequenos artigos de ouro impuro e pirita, as rosas de cobre e de bronze e até mesmo algumas roupas intimas que eram lançadas para sua figura impassível e quase entediada.

Os raios de energia brilhavam em luzes azuis ameaçadores quando subiram pela haste negra da lança, que ele girava preguiçosamente pelos braços enormes de gladiador. As írises violeta, profundas e escuras, que surgiram, majestosas, debaixo do visor pareciam carregar o universo inteiro dentro delas e quando ele levantou o dedo indicador para os lábios finos e pálidos, não houve uma alma viva se quer que ousasse desobedecer.

O silencio então reinou ao lado de Ulisses, senhor das almas.

Cada um ouvia apenas os próprios corações acelerados e as respirações ofegantes.

Todas as câmeras apontavam para o rosto dele, quando um rugido estrondoso veio do portão. As sobrancelhas ruivas, e muito bem feitas, dele não se moveram nem um milímetro, porque só havia certeza no rosto dele, e um pouco se satisfação.

Quando o segundo rugido veio, o monstro irrompeu pelo portão com tanta força, que arrebentou um pedaço das paredes de pedra cinza escura, que rolaram pelo chão e pelo ar ate baterem na grade de proteção. O corpo comprido de serpente, escorregava e se contorcia pelo pátio, enquanto as pernas metálicas de robô clicavam na areia, escorrendo óleo quente e rangendo, e as escamas que cobria o corpo engordurado da cobra, luziam um verde esmerada único que revezavam com as de metal fosco.

Ela era gigantesca.

Nem mesmo todas as serpentes que restaram na Terra juntas, chegariam na altura daquela criatura, e no medo que ela causava quando batia a cabeça triangular nas grades, fazendo o capuz membranoso sacudir e as crianças gritarem. O bafo de fogo que saia de entre os dentes esbranquiçados e sem vida era lançado ao céu. A materialização da sua fúria desgovernada e sem foco. As fendas negras nos olhos amarelados se estreitaram um pouco mais quando viram o guerreiro parado e impassível do outro lado da arena.

A postura perfeitamente reta e a falta de olhos que ela conseguisse sentir o medo, escondidos na viseira escura do traje, eram um desafio forte demais para o monstro, que avançou com toda a velocidade pra cima de seu alvo. A mandíbula se abrindo até o ângulo raso, no tempo que a língua vermelha e bifurcada provava o ar, sedenta pelo sangue real do latino.

Áve Cesar.Onde histórias criam vida. Descubra agora