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     -Não temos vagas! -as sobrancelhas grisalhas se movendo sobre a pele negra fosca e manchada.

-Eu sei! Você já repetiu isso mais de mil vezes, mas estou tentando negociar, aqui...

Átila não culpava a senhora. Seu estado era deplorável e confundi-lo com um meliante drogado, não seria tão difícil. Bolsas escuras debaixo dos olhos, lábios rachados, dourado de sol, os cachos cheios de areia vermelha e sua própria fisionomia magra e baixotinha.

Mas ele também tinha passado três dias viajando até chegar aqui.

Três dias sentado numa garupa desconfortável ou no chão escaldante. Quatro horas de sono no máximo repletas de pesadelos e sons de animais e nada além de barras secas de proteína saboreada, que ele teve que dividir com Jasão. Frio, sede e depressão.

Ele estava abaixo do pó do mundo.

-Eu pago o dobro do preço, eu durmo no chão se precisar, mas eu preciso de um teto sobre minha cabeça!

O rosto dela continuou palácio e impassível quando ela disse não, mais uma vez. O nariz e lábio o torcido, suas únicas expressões. Se não fosse o Sol que açoitava seu rosto, ela teria percebido o rubor da raiva dele, debaixo de todo o suor e sebo brilhoso da pele. Mas a veia saltada no pescoço era difícil de não perceber. As juntas dos dedos brancas de tanto apertar a calça.

"A sua cota de educação já esgotou velha gagá! Ele nem me convidou pra sair desse mormaço dos quintos!'', pensa.

Não esperava encontrar um tratamento melhor.

O lugar não chegava a ser uma grande cidade como Marcus, era menor. Não tinha os edifícios altos e irregulares da metrópole, que lançavam sombras frescas nas vielas largas. Mas era grande o suficiente para receber os enormes caminhões imperiais que carregavam toneladas de minérios e sais de fertilizantes. Eles tomavam as maiores ruas, que tremia com o seu peso, apesar de estarem a centímetros do chão.

Sem motoristas humanos. Sem erros.

Vhiper Cornun é uma cidade de passagem, assim a maioria dos viajantes e fugitivos que ousavam atravessar o deserto central em direção as áreas úmidas á Leste, passam pela cidade. Com seus rostos desconfiados, a população, em sua maioria ex-mineradores aposentados ou mutilados e seus parentes fracos demais para essa vida, vinham em todos os estrangeiros como inimigos em potencial.

Só que Átila sabia que o fluxo de peças aqui era alto o suficiente para transformar todos em oportunistas gananciosos, que protegeriam qualquer um pelo preço certo. E ele não tinha o suficiente.

-O que aquilo alí ? -Ele aponta para a o pequeno holograma que brilhava na marquise da pousada. A voz arranhada e baixa.

-São presas de serpente. No que isso te interessa?

Ela nem sequer olhava para ele e sim para adolescente que aspirava a sujeira da entrada.

-Achei interessante, porque na maioria dos edifícios havia serpentes engolindo as próprias caudas, pintado bem a vista nas paredes. Mas parece que você quis inovar com dentes afiados e uma língua mais ainda. Exagerado eu diria.

Havia sarcasmo na voz dele e isso chamou sua atenção.

-Apertando os olhos assim... -seus movimentos são ensaiados e exagerados, quando passa por ela e para debaixo da marquise de concreto. – eu vejo triângulos unidos em um padrão. O mesmo padrão que já vi em situações pouco desagradáveis, ilícitas talvez.

-Eu acho que o Sol fez mal pra você, pentelho. E está na hora de você ir embora! Têm um lindo albergue de vagabundos te esperando no fim dessa rua.

Áve Cesar.Onde histórias criam vida. Descubra agora