Capítulo III

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  Cork, Irlanda 1862

  Já estava na idade de se casar, um homem Liadan tem a obrigação de se casar e tomar conta das terras de seu pai. Mas para mim dezessete anos estava longe de ser a idade adequada para abandonar todas as regalias da vida de solteiro e se prender ao sagrado matrimônio.
  Minha família, os Liadan, sempre foram muito apegados as tradições, de forma que do nascer ao morrer o destino de um Liadan está traçado. Para a infelicidade da minha família e de certa forma até mesmo a minha, nunca fui apegado às tradições, as segui pelo tempo em que estive sob o mesmo teto que meu pai. Porém quando grandes decisões precisaram ser tomadas, não cedi as convicções da minha família e pelo bem do meu destino sai de casa e segui meu caminho. A despedida foi difícil porém esclarecedora. Minha mãe foi a mais difícil, Brenda Liadan, a mulher escolhida a dedo pela família do meu pai. Tiveram a sorte de dar certo. Assim que me viu com apenas uma mala em mãos, um punhado de dinheiro pelo qual trabalhei por muitos anos e mais nada além de orgulho e resignação, me disse:
- Brendon, meu filho. Que Deus ilumine seu caminho. Saiba que quando quiser ou precisar sua casa estará sempre aberta para você. Tem tudo o que precisa? - seus olhos azuis estavam aflitos e ternos.
- Mãe, tenho tudo o que preciso. Obrigado por se preocupar, mas eu ficarei bem. Sempre que puder lhe enviarei missivas, está certo? Fique tranquila. - seus olhos se suavizaram, mas logo ficou tensa novamente e dessa vez eu sabia o porquê.
- Ele sabe o que está fazendo Brenda. - disse meu pai, como sempre estava com um olhar sério. - Bem, pelo menos eu espero que ele saiba.
- Fique tranquilo, pai. Sei exatamente o que estou fazendo e porque estou fazendo. - meu pai nunca entenderia o porquê eu estava deixando tudo para trás e me lançando a sorte, mas como achava que aquilo era uma atitude "de homem" acabou não discutindo o assunto.
- Meu filho, não se esqueça de mandar notícias. Você é meu único filho, não posso em hipótese alguma perdê-lo - sua voz trêmula anunciava a luta para conter as lágrimas.
- Mãe, a senhora nunca irá me perder. - disse enquanto pegava uma de suas mãos, que antes seguravam meu rosto, e pousava-lhe um beijo de despedida e gratidão na palma da mão. - Serei eternamente grato por tudo o que fizeram por mim, mas preciso decidir meu próprio destino a partir de agora e sei que ele não está aqui.

Sai, sentia-me animado pela emoção de estar seguindo meu próprio caminho, mas não podia negar sentir-me amedrontado por não saber como seguir. Sabia que não importava o que acontecesse, voltar para casa não era uma opção.
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  Athenry, Irlanda 1870

   A mulher ao meu lado refletia muito do que fui um dia, Annelise Grace Calaham, aquela inocência encoberta pela sede de viver e se aventurar. Com o tempo fui me acostumando a ver mulheres com olhares experientes e ousados. No começo fiquei estarrecido e as achei de certa forma vulgares, mas ao empregar muitas delas em minhas tavernas e conhecer um pouco mais de suas histórias passei a compreendê-las um pouco mais. Mas Annelise estava sempre me surpreendendo e me confundindo, ao mesmo tempo que possuía uma vontade enorme de conhecer a vida também possuía um olhar ingênuo e um sorriso meigo que só pessoas que realmente conseguem enxergar o lado bom da vida possuem. No fundo acho que aceitei sua proposta por saber exatamente o que está vivendo e não queria deixá-la se frustrar no início de sua jornada. 
   A noite já se fazia presente e sol retirava-se dando lugar a um céu estrelado e uma noite fria. Já havíamos andado bastante e por mais que não tivesse se queixado sabia que Annelise não estava acostumada a grandes jornadas a pé e por isso devia estar cansada. Ao olhar para ela a peguei fitando o horizonte, os olhos verdes analisando os montes e colinas como se fossem espécimes em um laboratório. Os cachos dourados tornavam-se revoltos pela umidade do tempo e aos poucos se soltavam do laço que os prendia.
   Chegamos em um vilarejo, logo avistei pubs e algumas pousadas, a tirei de seu transe e solicitei que parássemos e que passássemos a noite em alguma pousada. Mas assim que fui dizer as primeiras palavras ouvi um grito agudo e estridente. Minha companheira de viagem estava agora estirada sobre a grama com um dos pés preso na toca de algum animal. Só tive a capacidade de dizer:
- Você está bem? - enquanto a ajudava a se levantar. Ela agora tinha grama no vestido verde musgo (quem usa verde musgo? Mas por incrível que pareça ficava muito bom nela) e nos cabelos que se soltaram completamente. Por mais que não fosse minha intenção e ainda por cima poderia ser considerado rude da minha parte, não pude deixar de rir da situação. Ela me encarou de primeira com uma cara de poucos amigos, porém logo seus lábios franzidos se desfizeram em um sorriso envergonhado.
- Estou tão desmantelada quanto imagino? - retirei um pequeno galho de árvore se seus cabelos e por disse:
- Não, você está ótima! - é isso o que um homem sempre deve dizer a uma mulher não é?
- Sei que está mentindo, mas agradeço pela gentileza. Realmente preciso de um banho, o que acha de passarmos a noite em alguma pousada, tem um vilarejo logo a frente.
- Eu ia sugerir isto antes de você misteriosamente enfiar o pé na "casa" de algum animal. - ela me olhou com um sarcasmo típico feminino.
- Pois bem, então vamos, além de suja estou faminta!

Uma Jornada em Busca da Liberdade por Milena Milão Onde histórias criam vida. Descubra agora